A Geração Low-Cost

“Se não acredita no investimento na educação experimente investir na ignorância”

Nas duas últimas décadas os portugueses investiram fortemente na educação e na formação o que se traduziu num aumento, muito significativo, da população jovem com formação superior e do nível de qualificação dos activos.

À partida, acreditava-se que esse investimento era fundamental e que os jovens licenciados e altamente qualificados teriam melhores oportunidades de emprego e melhores condições salariais. As famílias acreditavam que o investimento, muitas vezes com elevados sacrifícios, daria um futuro mais risonho aos seus filhos, que não teriam de passar pelas dificuldades da geração dos pais. Hoje, a emergência da “geração mil euros”, designação utilizada em Espanha e França, vem pôr em causa a rentabilidade do investimento feito pelas famílias. Esta geração é constituída por licenciados que falam duas ou mais línguas, que acumulam pós-graduações e outras formações avançadas, estágios não remunerados e empregos precários com remunerações inferiores a mil euros. Na Alemanha e na França os governos têm procurado encontrar novas soluções de flexibilização do mercado de emprego para enfrentar a nova realidade, sem resultados de sucesso. A França ensaiou a criação de um CPE- Contrato Primeiro Emprego, o qual originou uma onda geral de contestação social que impediu a entrada em vigor da lei.

Em Portugal, o “recibo verde” tem funcionado como um verdadeiro CPE, na medida em que é utilizado para a “contratação de trabalhadores efectivos”, por períodos superiores a dois anos, que a qualquer altura podem ser dispensados. Apesar desta flexibilidade “artificial” da lei de trabalho portuguesa, o desemprego de jovens licenciados tem crescido exponencialmente nos últimos anos, sem que as famílias vislumbrem uma luz ao fundo do túnel.

Acresce que o cenário de incerteza e insegurança de emprego desta geração tende a agravar-se pela pressão dos novos países aderentes da União Europeia, cujos cidadãos aproveitam a liberdade de circulação para “invadir” a Europa dos 15. Entretanto, como a situação continua a degradar-se em termos salariais, surgiu uma nova denominação, a “geração low-cost”.

De facto, a remuneração do trabalho desta geração segue uma lógica low-cost com salários cada vez mais baixos. Um estudo italiano concluiu que 89,2% dos jovens entre os 17 e os 24 anos ganham menos de 1000 euros e que cerca de 40% dos jovens com mais de 30 anos vivem ainda em casa dos pais. Em Espanha, segundo um estudo Eurydice, 60% dos jovens licenciados não têm um emprego correspondente ao seu nível de estudos e, em 2004, 52% dos jovens com mais de 30 anos tinham um contrato temporário.

Em Portugal, cresce também o número de jovens licenciados que trabalham sem qualquer contrato, nem “recibo verde”, nem férias, nem décimo terceiro mês, nem subsídio de férias, nem assistência na doença, nem possibilidade de reforma, e com remunerações à hora que variam entre os 3 e os 6 euros. Caso trabalhem 7 horas por dia, conseguem uma remuneração mensal entre 450 e 900 euros, o que se traduz por “trabalho low-cost”.

Esta situação preocupante, que Portugal e outros países europeus enfrentam, levanta questões de diversa ordem, uma das quais é urgente reflectir. Quando se aposta na “Estratégia de Lisboa” com o objectivo de tornar a Europa no espaço económico baseado no conhecimento mais desenvolvido do mundo, será possível tirar partido dessa sociedade do conhecimento sem uma participação activa do capital humano que melhor preparado está para contribuir para o aumento da produtividade e da competitividade, para desenvolver a inovação e o empreendedorismo e para garantir um “crescimento económico inclusivo”?

Pode Portugal ¹, e a Europa, continuar a desperdiçar o investimento na criação de capital humano, ao longo dos últimos 20 anos, não o integrando no seu sistema de desenvolvimento económico e pondo em causa um dos pilares da União, a coesão social?

¹ A nível mundial, Portugal e dos países com maior investimento na educação
em percentagem do PIB

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