“O que ouço, esqueço; o que vejo, recordo; o que faço, compreendo” Confúcio
Todos os dias somos bombardeados com a divulgação de medidas para incentivar a sociedade do conhecimento, a inovação e o empreendedorismo, e com apelos à mobilização nacional no sentido de preparar o país para o desafio do crescimento inclusivo. Das medidas divulgadas, a qualificação dos portugueses é uma das apostas mais fortes, através de projectos como a Iniciativa Novas Oportunidades. No entanto, apesar das designações apelativas, mais uma vez, a opção parece ser mais do mesmo. Se olharmos para os últimos 20 anos, facilmente se constata quão volumosos foram os apoios recebidos da União Europeia com a finalidade de aumentar os baixos níveis de qualificação dos portugueses. De início, as ajudas de pré-adesão permitiram construir uma rede nacional de centros de formação e, após a adesão, os apoios do Fundo Social Europeu permitiram realizar milhares de cursos nas mais variadas áreas de actividade e, em especial, realizar a formação de milhares de formadores.
Mas, curiosamente, após o investimento de milhões e milhões de euros, os indicadores continuam a demonstrar que Portugal é um dos países da Europa com os níveis mais baixos de qualificação, de tal modo que o argumento para sustentar a necessidade de reforçar a aposta na qualificação dos portugueses continua a ser o mesmo. Neste contexto, é licito perguntar. O que se passou? Será que a solução é mais formação? Para conhecer o que se passou basta ler com atenção os muitos estudos e trabalhos publicados. Neste domínio, é surpreendente constatar como esse valiosa informação não tem sido aproveitada para melhorar o sistema de qualificação dos portugueses. De facto, no período dos 3 quadros comunitários de apoio, o sistema de formação efectuou investimentos massivos sem, contudo, conseguir atingir o objectivo de aumentar os níveis de qualificação da população portuguesa para a média europeia.
Faz pois todo o sentido, questionar a solução de mais formação. Se o sistema de formação se tem revelado incapaz de atingir as metas definidas ao longo de duas décadas, será que mais formação vai resolver o problema português? Será que se está a fazer o que deve ser feito? Porque razões o sistema de formação não consegue cumprir a sua missão? Correndo o risco de tratar do assunto de modo muito ligeiro, e redutor, há um pecado capital que enferma o sistema de formação português, condicionando de forma decisiva os resultados, o qual reside no facto do modelo de formação dominante pressupor que as pessoas aprendem escutando e lendo.
Se é verdade que antes do “boom” da formação em Portugal o modelo de formação dominante era o “aprender fazendo” (learn by doing), não é menos verdade que o crescimento exponencial da oferta de formação levou à adopção do modelo dominante no sistema de educação, ou seja, a “ensinar dizendo” (teach by telling) complementado com “dizer e avaliar” (tell & test). Este paradigma marca de tal modo o nosso sistema que até os “novos” modelos virtuais o reproduzem fielmente. Uma análise da oferta de cursos de e-learning em Portugal comprova a adopção da abordagem “aprender lendo” (learn by reading) associada a “click & sleep”, designação dada à avaliação através de testes de resposta múltipla, que somente visam verificar o que os formandos recordam ou memorizaram.
Pelo contrário, o que se deve fazer é avaliar o desempenho e não os conhecimentos. É uma ilusão pensar que se pode melhorar o desempenho de uma pessoa pelo simples facto de este ouvir um professor, ler um texto ou responder a um teste, com mais ou menos interactividade e recursos multimédia. Mas, como dizia John Dewey, o princípio de que a formação é um processo activo de construção, e não de discurso ou escuta, é tão aceite na teoria como violado na prática.
Na prática, o sistema de formação utiliza o modelo de fábrica herdado da revolução industrial, que se revela cada vez mais desajustado da realidade, com a agravante de ter gerado uma inércia nacional, que resulta do facto de pensarmos que a aprendizagem é algo externo a todos nós e que, portanto, não somos os principais protagonistas e responsáveis. Esta herança centenária é outro pecado capital. Por esta razão, quando precisamos de aprender algo de novo pensamos logo em soluções “artificiais” como centros de formação, cursos e aulas onde um professor nos explica a matéria. Por norma, nem sequer pensamos nas soluções “naturais” que tão bons resultados deram na nossa infância e na nossa juventude. O segredo destas soluções é simples: curiosidade, interesse, motivação e persistência.
Para o comprovar, basta olhar um pouco à nossa volta para perceber que entre os jovens está banalizada a utilização da Internet, do correio electrónico e de outras tecnologias de comunicação, sem que estes tenham recorrido às soluções artificiais. Pelo contrário, os professores e a generalidade dos activos não possuem o mesmo nível de utilização destas tecnologias, apesar do forte investimento em cursos de formação. O que foi dito não responde totalmente à questão mais formação ou melhor formação, pois não era esse o objectivo. A intenção foi somente abordar dois aspectos centrais que estão a condicionar os resultados da formação em Portugal, numa altura em que se volta a investir fortemente na qualificação dos portugueses.
Para que a anunciada solução de mais formação tenha sucesso é necessário que o modelo de formação dominante assente no “aprender fazendo”, em que os formandos sejam os verdadeiros protagonistas, e na avaliação das competências. O mesmo se aplica ao e-learning, sob pena de estarmos simplesmente a falar de e-reading.
Etiquetas: aprender fazendo, melhor formação, Novas Oportunidades, qualidade formação, qualificação
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