“Valor e produtividade são, actualmente, efeitos de sistema “ P. Veltz
Se analisarmos o que foi feito nos últimos anos em matéria de formação, em especial nos anos 90, facilmente se constata que a preocupação central foi o desenvolvimento de competências individuais.
Mas, quando a Europa aprova a Estratégia de Lisboa, com o objectivo de tornar-se na economia do conhecimento mais competitiva do mundo, será que a simples justaposição das competências individuais permitirá responder aos desafios de uma sociedade mais inovadora, mais complexa e com formas de organização do trabalho mais flexíveis e abertas? Muitos analistas consideram que não. A frase de Veltz, acima reproduzida, traduz o pensamento desses analistas. Para responder à pergunta, convém analisar as implicações da economia do conhecimento. Se é verdade que as empresas sempre utilizaram o conhecimento para produzir, também é verdade que as empresas da economia do conhecimento dependem cada vez mais da criação de conhecimento para se manterem competitivas.
Esta evolução tem profundas implicações ao nível dos trabalhadores. Se na nova economia as organizações dependem fortemente da criação de conhecimento, então estes não podem ser um mero recurso humano. A competitividade das empresas exige que sejam fonte de criação de valor, contribuindo para a criação de conhecimento. E, como o conhecimento se cria partilhando, surgem novas preocupações no domínio das competências.
Segundo Boterf *), a presente década será marcada pela emergência de uma preocupação nova: o desenvolvimento de competências colectivas, que são um efeito de composição que resulta da qualidade da cooperação das competências individuais. Por outras palavras, a competência colectiva de uma equipa de futebol não é a soma das competências individuais dos jogadores, mas sim o resultado da combinação e sinergias entre as competências individuais. Não basta ter os melhores jogadores para ter uma grande equipa. Esta resulta, antes de mais, do modo como se combinam as competências individuais dos jogadores e do permanente e exigente treino colectivo.
Por esta razão, o rendimento de um jogador não depende somente das suas competências individuais, que podem ser as melhores, mas essencialmente das competências colectivas, ou seja, da qualidade da interacção com os outros jogadores. É evidente que há, muitas vezes, o “homem do jogo”. Mas vencer o desafio, depende essencialmente da capacidade da equipa agir com competência, o que implica que o treinador e jogadores saibam combinar e mobilizar as suas competências, gerir as situações de jogo e vencer o desafio. Como escreve P. Veltz, a melhoria da perfomance da equipa é obtida, cada vez mais, nas interacções entre os seus membros, pelo que o valor acrescentado resulta do colectivo, que é superior à soma das partes.
Assim como o jogador de futebol, também o trabalhador do “conhecimento” deverá exercer funções de geometria variável. Quando um treinador atribui um papel a um jogador, espera que este seja um actor interpretando esse papel, mas espera, também, que ele seja capaz de fazer a diferença, tornando a sua exibição “única”. Esta exigência é já uma realidade nos novos modelos de organização do trabalho em que os profissionais são, ao mesmo tempo, actores que utilizam o conhecimento, e autores que criam conhecimento. É o que Boterf denomina de “prescrição da subjectividade”, a qual deixa ao profissional grande margem para mobilizar os seus recursos, no sentido de satisfazer as exigências relacionais. Para os profissionais serem, de facto, fonte de criação de valor, as organizações devem privilegiar as “orientações abertas” e transformar os seus profissionais em “intérpretes únicos”. Só deste modo, as organizações conseguirão diferenciar-se e manter a sua competitividade.
Outro exemplo paradigmático é o dos músicos. Quando vamos a um concerto queremos ouvir uma “interpretação única” e não uma versão “clone” da música que foi gravada. Daí que os músicos sigam uma “pauta flexível e evolutiva” para surpreender aos seus admiradores com um “espectáculo único”. Esta capacidade de inovação potencia a permanente criação de conhecimento, e é outra das exigências mais marcantes da economia do conhecimento. Para a sobrevivência das organizações não bastará assegurar a qualidade dos seus produtos e serviços. Com a banalização da certificação de qualidade, esta perderá o seu valor e deixará de constituir uma vantagem competitiva. A este propósito, convém lembrar a “lei da diversidade obrigatória” de Schumpeter, segundo a qual inovar é criar novas combinações de recursos, cuja diversidade é indispensável.
No actual contexto marcado pela velocidade da mudança, a vantagem competitiva residirá na capacidade de aceleração da organização. Esta tem de conceber, inovar e produzir mais rápido do que a concorrência, e saber gerir os seus “talentos” para produzir o “inédito”, o “nunca visto”. Para desenvolver a capacidade de aceleração, Boterf defende que as organizações deverão conceber um modelo de gestão da organização e das competências que permita a interacção entre as competências individuais e as competências colectivas.
Esta tese é confirmada, na prática, pelo crescente reconhecimento nas organizações da importância das competências colectivas no desenvolvimento da economia do conhecimento, a par das competências individuais. Do que foi dito, parece evidente que a mera justaposição de competências individuais não dará resposta aos desafios da economia do conhecimento. A questão central, que importa responder, é como se vão reestruturar os sistemas de educação e de formação para desenvolver as competências individuais e colectivas necessárias à nova economia? A União Europeia, atenta ao desafio, aprovou entretanto algumas medidas como a Declaração de Copenhaga e o Comunicado de Maastricht, sobre a cooperação europeia no ensino e formação vocacionais, e a Declaração de Bolonha sobre o ensino superior.
Mas, basta uma leitura rápida para perceber que são omissas na questão das competências colectivas. Se a previsão de Boterf sobre as competências colectivas se confirmar, então a União Europeia terá de encontrar novas soluções, de modo a garantir que a Estratégia de Lisboa, recentemente relançada, seja uma aposta “competente”.
*) Construire les compétences individuelles et collectives, 3e édition
Etiquetas: competências colectivas, declaração copenhaga, estratégia lisboa, gestão talentos, guy le boterf, lei schumpeter
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