Um PowerPoint não faz a Primavera

O PowerPoint tornou-se, nos últimos anos, numa ferramenta omnipresente em qualquer apresentação em público, sendo raros os oradores que prescindem de tal ferramenta, nem que para tal tenham de pedir ajuda a colegas ou amigos.

Mas, não há bela sem senão. Se é verdade que a simplicidade da sua utilização e a possibilidade de integrar multimedia permite tornar as apresentações mais dinâmicas e atractivas, também é verdade que muitos oradores utilizam o Powerpoint como uma bengala, sem qualquer valor acrescentado.

Na maioria dos casos, funciona como o “ponto” no teatro. O orador limita-se a ler o texto que é projectado sem acrescentar valor. O Powerpoint é a comunicação e o comunicador principal. O orador deixa de ser o actor principal da comunicação, e passa a ser um operador de uma ferramenta multimédia, que não deveria ser mais do que um suporte à comunicação.

O mais importante é surpreender o público com os efeitos especiais da apresentação. Se perguntarmos a esses oradores, que investiram horas a preparar a apresentação, quais os objectivos da comunicação, provavelmente ficarão surpreendidos com a pergunta, pois o que esperam é receber muitos elogios pela espectacularidade do Powerpoint. É o primado da tecnologia sobre a comunicação.

O grande senão, é que este erro se banalizou e disseminou na área da formação, sem que os formadores tenham consciência do fenómeno. Sem querer por em causa a utilização do Powerpoint, que tem o seu lugar, gostaria de partilhar uma experiência única que vivi em termos de formação. Trata-se de um seminário que frequentei há 16 anos, cujo objectivo era preparar dirigentes para falar em público.

Durante 14 sessões nocturnas, com a periodicidade de uma vez por semana, um grupo alargado de dirigentes frequentou o seminário, que decorreu num hotel de Lisboa. Na sua maioria eram directores em grandes empresas multinacionais, cerca de uma dezena em empresas nacionais e somente dois em organismos públicos.

Na primeira noite, fui recebido à entrada da sala pelo formador que me deu as boas vindas e convidou a entrar. Dentro da sala, sem qualquer cadeira ou mesa, estavam já muitos participantes que eram acolhidos com grande profissionalismo por um grupo de assistentes. A sua principal preocupação era criar um ambiente agradável, como se estivessem a receber amigos em sua casa.

Após o acolhimento, o formador deu início ao seminário pedindo a cada participante que se apresentasse, no meio da sala e rodeado por mais de 60 participantes e assistentes da organização. A apresentação teria de ser feita exclusivamente por mímica, dizendo o nome e o passatempo preferido. Apesar do pedido ter surpreendido alguns dos participantes mais reservados, a verdade é que todos se apresentaram sem qualquer problema, pois os assistentes velaram para que todos os constrangimentos fossem ultrapassados com toda a naturalidade.

De seguida, o formador deu conhecimento do programa e da metodologia, com uma fórmula muito simples: aprender a falar em público faz-se falando em público, muitas vezes. Não haveria qualquer aula teórica.

Assim, todas as noites, cada participante faria duas apresentações, de dois minutos cada, frente a um público constituído pelos colegas e assistentes, o que perfaria um total de 28 apresentações. Os assistentes, na proporção de um por cada 6/8 participantes, eram todos ex-participantes de seminários anteriores, colaborando voluntariamente por convite da organização.

Em cada sessão, os participantes votavam nas duas melhores intervenções dos colegas, e os vencedores recebiam um prémio especial diante de todo o grupo: uma esferográfica brinde, de valor insignificante.

Alguns participantes, que nos primeiros dias estavam como “peixe fora da água”, acabaram por sofrer tamanha transformação que ganharam a simbólica esferográfica, para surpresa dos colegas. Ainda hoje me recordo da mudança ocorrida com a totalidade dos participantes entre o primeiro e o último dia do seminário. Foi, provavelmente, a única vez que observei resultados tão imediatos e “espectaculares”, com a formação a atingir plenamente o objectivo de desenvolver as competências pretendidas, no prazo definido.

Outro aspecto deveras interessante, é que os objectivos foram atingidos sem que ao longo de todo o seminário tivesse havido qualquer momento de avaliação, nem avaliação final. Em vez da usual avaliação de conhecimentos através de testes que visam avaliar “como se faz” a prática foi levar os participantes a “saber fazer”, o que era evidenciado através do desempenho nas diversas intervenções. Mais, o formador nunca comentou qualquer apresentação.

Acresce, que o papel do formador foi completamente diferente daquele que bem conhecemos. Em vez do formador trabalhar 80% do tempo e o participante 20%, dessa vez, os participantes trabalharam 80% do tempo e o formador, como mediador de aprendizagem, somente 20%, pois era aos participantes que cabia aprender, e aprender dá muito trabalho.

Resta dizer que não foi projectado qualquer Powerpoint. De facto, um Powerpoint não faz a primavera.

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