Processo Bolonha – Para um Espaço Europeu do Ensino Superior?

Sempre que se fala do Processo de Bolonha, invariavelmente, a discussão centra-se num, ou mais, dos 6 objectivos definidos para a criação do Espaço Europeu do Ensino Superior (European Higher Education Area – EHEA), o qual é considerado, pelos países subscritores da Declaração, como uma condição necessária para aumentar a atractividade e competitividade das Instituições de Ensino Superior.

Uma vezes o enfoque é nos graus académicos ou no sistema de três ciclos, outras nos créditos ECTS ou na mobilidade, e outras, ainda, na garantia da qualidade ou na dimensão europeia no ensino superior. Contudo, raras vezes a discussão se centra nos princípios que estão na génese do Processo de Bolonha: a integração europeia, a mobilidade do conhecimento e a aprendizagem activa.

Comecemos pela integração europeia do ensino superior. Quando se visa criar um Espaço Europeu do Ensino Superior e se estabelece como objectivo “aumentar a competitividade e garantir que o Sistema Europeu do Ensino Superior adquira um grau de atracção que seja semelhante às nossas extraordinárias tradições culturais e científicas”, há uma motivação oculta de vencer a resistência à integração europeia, e adaptar as Universidades às necessidades de mudança, às exigências da sociedade e aos avanços do conhecimento científico.

De facto, o Espaço Europeu do Ensino Superior e o Espaço Europeu de Investigação são os dois pilares da Europa do Conhecimento, pelo que a desejada integração europeia deverá ser entendida como uma necessidade efectiva de cooperação europeia, o que passa pela criação de condições favoráveis ao estabelecimento de parceiras entre instituições de ensino superior e pela mobilidade de investigadores, de professores, de estudantes e de pessoal não-docente, tendo como finalidade o desenvolvimento, a troca e a partilha de conhecimento.

Neste contexto, facilmente se percebe a importância do princípio da mobilidade do conhecimento. Na verdade, mais do que falar de mobilidade de pessoas, importa falar de mobilidade do conhecimento, o capital essencial para o sucesso da Estratégia de Lisboa.

Quanto à aprendizagem activa, a generalidade das discussões omite simplesmente o tema ou faz uma abordagem superficial. Na verdade, este é um dos aspectos centrais da mudança de paradigma do ensino superior, quando se sabe que a cultura das Universidades, como aliás de todo o sistema de ensino, é resistente à mudança.

A passagem de um processo de ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um processo de aprendizagem baseado no desenvolvimento de competências, é fácil de enunciar mas é uma tarefa muito difícil de concretizar. Do processo de ensino centrado no professor e nos conteúdos, para um processo de aprendizagem centrado no aluno, há um longo caminho a percorrer.

Como se pode constatar pela leitura do Decreto-Lei nº 42/2005, se o objectivo é que o aluno aprenda, este deve ser o centro do processo de aprendizagem: “Nesta nova concepção, o estudante desempenha o papel central, quer na organização das unidades curriculares, cujas horas de contacto assumirão a diversidade de formas e metodologias de ensino mais adequadas, quer na avaliação e creditação, as quais considerarão a globalidade do trabalho de formação do aluno, incluindo as horas de contacto, as horas de projecto, as horas de trabalho de campo, o estudo individual e as actividades relacionadas com avaliação, abrindo-se também a actividades complementares com comprovado valor formativo artístico, sócio-cultural ou desportivo.”

Para que isto aconteça, os conceitos de aula, professor e aluno estão a mudar, e emergem novos conceitos como “comunidade de aprendizagem”. A aula deixa de se limitar ao espaço físico e ao horário fixado para assumir formas mais flexíveis. O professor, deixa de ser o principal transmissor de conhecimento, para ser um engenheiro e um mediador de aprendizagem, que cria as condições que levam o aluno a aprender e a querer aprender. O aluno passa a actor principal que constrói conhecimento e adquire competências. Numa comunidade de aprendizagem a pedagogia é baseada na participação e partilha, há objectivos de aprendizagem que integram as actividades e os contextos de aquisição e utilização de conhecimento, e há mediação dos cenários colaborativos de aprendizagem e inovação pelos professores.

Numa comunidade de aprendizagem o papel do professor é apoiar os projectos e iniciativas dos alunos que assumem, por seu lado, maiores responsabilidades. Uma comunidade de aprendizagem é uma abordagem que favorece a partilha e a troca de conhecimento e pode ter âmbito inter-departamental ou inter-universidades.

Esta mudança de contexto (espaço e tempo) e de papéis dos professores e dos alunos coloca desafios inadiáveis às instituições de ensino superior. As administrações têm de encontrar novas formas de gerir o processo de aprendizagem, os professores têm de se adaptar a um novo papel, e os alunos têm de trabalhar em vez de ouvir os professores, isto quando se dignam a ir às aulas.

Não é preciso ser vidente para prever as fortes reacções a uma mudança tão exigente, da parte de todos, administradores, professores e alunos. Mas, não haja ilusões. A construção de uma Europa do Conhecimento, que dê corpo à Estratégia de Lisboa, depende essencialmente da eficácia da implementação dos princípios referidos no Sistema Europeu de Ensino Superior.

Neste pressuposto, levanta-se outro problema que não pode ser menosprezado. Trata-se do sistema de governação do Processo de Bolonha. Quem gere e coordena todo o esforço de Bolonha para atingir os objectivos estabelecidos? Com o sistema de governação actual será possível construir um Espaço Europeu do Ensino Superior atractivo e competitivo.

Do que foi dito, facilmente se conclui que o Processo de Bolonha exige lideranças fortes ao nível europeu, ao nível de cada país, mas também ao nível de cada universidade. Basta lembrar a autonomia das universidades e olhar para os seus múltiplos centros de decisão, devido à autonomia dos departamentos, para ter uma ideia da dimensão do desafio.

Como será possível mudar de paradigma, e integrar um espaço europeu de cooperação, sem uma haja uma liderança forte que coordene a implementação do Processo de Bolonha na Universidade, onde é “normal” encontrar departamentos com estratégias divergentes e antagónicas, em que a partilha de conhecimento, a colaboração e a cooperação são a excepção e não a regra?

Publicado na Webzine do NESI

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