O Empreendedorismo não é uma prótese

“Lutei muito para ser pianista. Trabalhei muito, horas e horas por dia. Se tivesse resultado, hoje seria um pianista medíocre. Um pianista bom (com talento) não precisa de fazer força. É um dom de Deus. A diferença entre nós é que, enquanto eu tentava colocar dentro de mim um piano que estava fora, o problema do pianista era colocar para fora um piano que morava dentro dele desde o nascimento. Para mim, o piano nunca passaria de uma prótese. Mas, para ele, o piano é uma expansão do seu corpo.”

Ao ler este texto dei-me conta que, em muitas situações da minha vida, já tinha sentido o mesmo que Rubem Alves. Nunca tentei aprender piano mas, provavelmente, nenhuma prótese conseguiria resolver a minha invulgar falta de talento. Do mesmo modo, se a minha escolha fosse o canto nem as mais modernas tecnologias de som seriam capazes de me transformar num cantor de sucesso.

Perante esta constatação, lembrei-me do que se está a passar com o empreendedorismo. Este tema ganhou notoriedade no último quadro comunitário e prepara-se para se tornar uma celebridade europeia tal a miríade de iniciativas no âmbito da União Europeia, de Portugal e da Madeira. O QREN, Quadro de Referência Estratégico Nacional, aposta fortemente no empreendedorismo e na Madeira o PDES, Plano de Desenvolvimento Económico e Social, define o empreendedorismo como uma das prioridades estratégicas regionais.

Mas o que tem a ver o parágrafo inicial com o empreendedorismo? Tudo. Desde logo porque nos leva a questionar se muitas das iniciativas de promoção do empreendedorismo não estão a cair no erro do pianista medíocre em que o piano é uma prótese.

De facto, muitas iniciativas para promover o empreendedorismo são apresentadas de uma forma massificada, dando a ideia que todos podem e devem ser formados para ser criadores de empresas. Com esse pressuposto tem sido promovida uma imensa variedade de projectos e acções para formar empreendedores. Acontece que o pressuposto está errado. Por um lado, o conceito de empreendedorismo não se restringe à criação de empresas. Por outro, nem todos têm talento para ser criadores de empresas, nem faz qualquer sentido que todos o sejam. Acresce, ainda, que os resultados obtidos por essas iniciativas têm sido bastante escassos.

Não é pois de estranhar que alguns países europeus estejam a dar prioridade a iniciativas no sentido de desenvolver uma cultura e um ambiente favorável ao empreendedorismo. Por outras palavras, a preocupação central não é tentar que todos sejam empreendedores, mas sim intervir no sentido de reduzir os obstáculos aqueles que tendo talento para empreender se defrontam com barreiras de vária ordem que comprometem o sucesso das suas iniciativas. O objectivo é fazer despertar os empreendedores para que coloquem para fora o talento para empreender que têm dentro deles. Para que o empreendedorismo seja uma extensão natural do corpo. Para que o empreendedorismo não seja uma prótese que o corpo rejeita.

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