A Formação Compensa – Uma mentira conveniente

Aprender compensa, é o lema da campanha lançada pela iniciativa Novas Oportunidades para promover a procura de qualificação pelos portugueses, a qual foi acompanhada do anúncio de mais 5,1 mil milhões de euros para a formação. Na mesma altura, com uma agenda muito oportuna, foi assinado o Acordo para a Reforma da Formação Profissional.

Tudo parece indicar que, desta vez, é de vez. Mas, muito provavelmente, não será. Quanto aos milhões anunciados, trata-se de uma mera bandeira para impressionar: vejam o esforço que estamos a fazer para resolver o crónico problema da baixa qualificação dos portugueses. Mas, na verdade, não será através de vultuosas injecções de dinheiros públicos que o problema será resolvido, como não o foi nas últimas três décadas.

Na busca da solução é oportuno lembrar os Lusíadas: por mares nunca dantes navegados, se a tanto nos ajudar o engenho e arte. Mas, o Acordo assinado revela um claro défice de engenho e arte. A esmagadora maioria das medidas anunciadas são de pura continuidade. Os princípios em que assentam são os mesmos do passado, assim como a estratégia definida não traduz uma mudança de rumo em relação aos últimos anos.

Medidas como a implementação do Catálogo Nacional de Qualificações, o reforço da rede de Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências, o princípio da dupla certificação, a reforma do Sistema Nacional de Certificação, a reforma do Sistema de Acreditação e Qualidade não traduzem nenhuma reforma? Traduzem, pelo contrário, o reforço de um sistema que tem demonstrado uma gritante ausência de eficácia.

Por outro lado, quanto à eficiência do sistema, as medidas anunciadas são pouco esclarecedoras pois remetem para a intenção de rever o modelo de financiamento da formação. Neste domínio, tem sido dado grande destaque à criação do cheque-formação, um instrumento de financiamento directo da procura de formação. Mas esta novidade é mais uma bandeira, pois representa uma parte residual do problema do financiamento da formação, para além de se desconhecer ainda como vai ser implementada.

A única novidade, digna desse nome, é a Caderneta Individual de Competências, um instrumento voltado para o futuro e adequado aos desafios da aprendizagem ao longo da vida. É curioso, mas se analisarmos as medidas, facilmente constatamos que reflectem o paradigma da formação, que tão bem conhecemos há décadas. Tudo é pensado em termos de qualificações e do sistema de formação para produzir essas qualificações, numa óptica de preparar trabalhadores para uma sociedade industrial caracterizada por profissões e empregos estáveis.

No entanto, o desafio actual, e futuro, é outro. Os trabalhadores do conhecimento enfrentam já um mercado de emprego caracterizado pela precaridade crescente, onde o trabalho colaborativo implica uma aprendizagem não formal e informal permanente. Se pensarmos neste contexto de aprendizagem torna-se evidente que as medidas anunciadas não serão adequadas para que Portugal integre, em pleno, a Europa do Conhecimento ambicionada pela Estratégia de Lisboa.

Como preparar os portugueses para esse desafio é a questão fulcral. Devemos continuar a pensar no paradigma da formação, mantendo e melhorando a arquitectura do sistema de qualificação, como está a acontecer com a reforma actual, ou evoluir para o paradigma da aprendizagem ao longo da vida, suportada num sistema de certificação de competências?

Só num cenário de valorização da aprendizagem e da certificação das competências adquiridas terá sentido para os portugueses o lema “Aprender Compensa”. De nada valerá gastar milhões na formação e qualificação de milhões de portugueses, se não houver aprendizagem e aquisição de competências. Como disse o Prof. Medina Carreira na passada semana, o que estamos a fazer é distribuir “diplomas de tiradores de cerveja” que não servem para nada, mas custam muitos milhões.

Basta olhar para as metas oficiais para se perceber que talvez tenha razão. Formar um milhão de activos, abranger 650 mil jovens em cursos de dupla certificação e alargar a oferta com mais cerca de mil cursos profissionais até 2010, são algumas das bandeiras que merecem profunda reflexão, quando se sabe que a despesa será de cerca de 3 milhões de euros (600 mil contos) por dia útil, ao longo de 7 anos.

Distribuir certificados sem assegurar que há aprendizagem e se produzem as competências que a estratégia de desenvolvimento de Portugal necessita, tenderá a aumentar o número daqueles a quem o diploma serve de muito pouco, como acontece com o crescente número de jovens licenciados desempregados, a quem “Aprender Compensa” soa a total falsidade.

De facto, se os portugueses não adquirirem as competências necessárias ao seu desenvolvimento profissional, das organizações e de Portugal, constataremos rapidamente que o milionário investimento não tem retorno. Então, a formação não compensa. É, simplesmente, uma mentira conveniente.

“O maior inimigo da verdade não é a mentira mas sim a convicção.” Nietzsche

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