O Código de Trabalho, publicado em 2003, consagrou o direito dos trabalhadores à formação profissional e, concomitantemente, o dever de assegurar a formação às entidades empregadoras. Este dever, estabelece que as empresas têm de garantir um mínimo de 35 horas de formação certificada aos seus trabalhadores, de acordo com determinadas condições.
Passados cerca de 4 anos, que balanço se pode fazer de uma medida em que se depositaram tantas esperanças? Apesar de não dispor de dados oficiais para fazer uma análise fundamentada dos resultados da implementação da medida, uma coisa parece certa: o direito à formação, na prática, ainda não saiu do papel.
Provavelmente, há inúmeras razões para explicar esta situação. Contudo, essa análise fica para outra altura. Agora, importa relevar, simplesmente, dois princípios do direito individual à formação: equidade e redistribuição. A este propósito, convém lembrar que este direito visa assegurar o acesso à formação a todos os trabalhadores.
Com um objectivo destes, o princípio da equidade parece estar garantido. Acontece, porém, que o efeito redistributivo é desconhecido. No entanto, a grande virtude da implementação do direito à formação deveria ter sido promover um sistema de financiamento da formação mais redistributivo. Contudo, mesmo que se venha a confirmar a virtude redistributiva, há outros aspectos que convém ter em atenção de modo a evitar os efeitos perversos que o direito à formação pode induzir.
Senão vejamos. Se estamos a investir fortemente no Plano Tecnológico, com o objectivo de preparar os portugueses para trabalhar na economia do conhecimento, será que o direito à formação, fixado em termos de horas anuais, é uma medida coerente? Se o novo paradigma é a aprendizagem ao longo da vida, em que cada cidadão possui uma caderneta individual de competências onde estão certificadas as suas competências formais, não formais e informais, faz algum sentido falar somente na garantia de 35 horas de formação formal certificada?
Como está formulada, esta garantia não reconhece o papel fundamental da aprendizagem não formal e informal, uma das características marcantes da sociedade em rede. Nesta sociedade, caracterizada pela inovação, a aprendizagem é, cada vez mais, informal e não formal. Por exemplo, quando surge uma nova tecnologia, os primeiros a utilizá-la fazem uma aprendizagem não formal ou informal pois o sistema formal de formação não está preparado para responder a essa necessidade. Se pensarmos que diariamente somos confrontados com novas tecnologias, que exigem novas competências, temos uma ideia clara da crescente importância da aprendizagem não formal e informal. Então, se isto é verdade, o direito individual à formação tem de incluir o processo de reconhecimento e certificação de competências não formais e informais.
Contudo, não nos iludamos, o direito individual à formação, só por si, não fará um milagre. O desafio actual, como já foi referido, é a aprendizagem ao longo da vida e, nesta, o requisito essencial é querer aprender. Se os portugueses não quiserem aprender, as empresas não disporão, e por conseguinte o país, das competências necessárias para competir e crescer na economia do conhecimento.
Mas, o sucesso exige ainda outro requisito: competências colectivas. De facto, na sociedade em rede, a capacidade de inovação depende mais das competências colectivas do que das competências individuais. A competência de uma equipa, de uma organização, tem de ser superior à soma das competências individuais, tal como acontece nas equipas desportivas profissionais, onde o treino visa desenvolver as competências colectivas e acrescentar valor à soma. Neste campo, também as empresas começam a reconhecer a importância das competências colectivas com a adopção de práticas de trabalho em rede e de partilha de conhecimento, com recurso a tecnologias colaborativas.
Além dos requisitos referidos, não nos podemos esquecer que: pensar em competências sem pensar na organização do trabalho é uma multiplicação de resultado nulo. Recorrendo ao conceito de competência de Guy Le Boterf facilmente se percebe porquê. Para este especialista, a competência resulta de 3 factores: saber agir, querer agir e poder agir. O saber agir resulta da combinação e mobilização dos recursos pertinentes. O querer agir resulta da motivação pessoal e do contexto incitativo. O poder agir resulta da organização do trabalho, da gestão e das condições sociais. Assim, se faltar um dos 3 factores o resultado da multiplicação será zero, ou seja, a competência será nula. Por exemplo, não basta saber agir e querer agir se não se puder agir.
Por outras palavras, não é suficiente investir milhões na formação e qualificação dos portugueses. É também necessário que haja um contexto incitativo e adequadas condições de trabalho e sociais para se poder agir. Só assim poderemos ter cidadãos competentes, empresas competentes e um país competitivo.
“O elefante é um rato construído segundo especificações do Estado.” Robert Heinlein
Etiquetas: aprendizagem informal, caderneta individual competências, código trabalho, competências colectivas, direito individual à formação, guy le boterf, qualificação, querer aprender
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