No início do mês de Junho foram anunciados com grande pompa e circunstância os Programas e.escola, e.professor e e.oportunidades, os quais visam permitir a aquisição de um computador portátil com ligação à Internet em banda larga a mais de meio milhão de portugueses.
À primeira vista a iniciativa parece meritória e cheia de boas intenções. Mas, basta ler a informação disponível na Internet para constatarmos que se trata de uma iniciativa que não se articula com outros programas ou iniciativas em curso nas escolas ou nos Centros Novas Oportunidades, nem com a formação dos professores.
É verdade que se poderá argumentar que foi também lançada a iniciativa Literacia Digital e que tudo está bem integrado. No entanto, ao consultar o sítio dessa iniciativa rapidamente constatamos que se trata de um Curriculum Microsoft o que é muito redutor numa sociedade da informação e da comunicação onde a Web 2.0 cresce e o open-source tem uma quota de mercado que não pode ser desprezada.
Neste contexto, é lícito perguntar: o que vai mudar na educação e na formação com esta oferta milionária? Os curricula vão integrar a tecnologia de modo a que os modelos de ensino-aprendizagem se adaptem a uma geração de jovens, os nativos digitais, que nasceu com a tecnologia? Os professores vão integrar as ferramentas colaborativas e sociais na sua prática de ensino-aprendizagem? Os processos de certificação de competências e de formação de adultos inscritos nos Centros Novas Oportunidades vão integrar as novas tecnologias da informação e da comunicação? Por outras palavras, os nativos digitais vão ter um ensino que integre as tecnologias que utilizam diariamente? Os imigrantes digitais, entre os quais se inclui uma percentagem muito significativa de professores e activos, vão ser integrados numa sociedade cada vez mais digital?
Se a resposta a estas questões for negativa, e tudo indica que assim seja, então os Programas anunciados têm um objectivo meramente estatístico: subir os baixos níveis de utilização do computador e da Internet pelos portugueses.
A confirmar-se este cenário, os grandes beneficiários com o lançamento destes Programas não serão os estudantes, os professores e os adultos, numa palavra, os portugueses. Os grandes beneficiários, e provavelmente os únicos, serão os fornecedores dos computadores e da ligação à Internet, a TMN, a Vodafone, a Optimus e a PT e, também, a Microsoft como fornecedor do software e promotor do Curriculum de Literacia Digital.
Mais uma vez, como acontece com a Iniciativa Novas Oportunidades, o que interessa são as metas quantitativas, os números. Concretamente, neste caso, a meta é oferecer um computador e ligação à Internet a 640 mil portugueses. Se estes portugueses vão agir com competência e acrescentar valor às suas actividades é irrelevante para estes Programas. De facto, numa altura em que as prioridades nacionais são o Plano Tecnológico e a Qualificação é, obviamente, muito pouco.
Para preparar os portugueses para a era da informação precisamos, essencialmente, de imaginação e inovação. Oferecer computadores e Internet é uma medida velha que vem com quase uma década de atraso. Acresce que a medida é bastante atractiva para os nativos digitais que sabem tirar partido da tecnologia, e muito pouco atractiva para os imigrantes digitais que não falam a linguagem digital. Assim, como se trata de uma medida cega que trata todos por igual, corre o risco de oferecer computador e Internet àqueles que não têm qualquer necessidade, os nativos digitais, e àqueles que, apesar de serem imigrantes digitais, já falam quase sem acento. Em síntese, é uma medida que não visa a inclusão digital daqueles que mais precisam e pode, pelo contrário, ter o efeito perverso de aumentar o fosso digital.
Numa abordagem económica, pode dizer-se que os Programas e.escola, e.professor e e.oportunidades cumprem a lei da oferta e da loucura.
“Ele utiliza as estatísticas como um bêbado usa o candeeiro de iluminação. Para se apoiar, em vez de ser para iluminar” Andrew Lang
Publicado no Diário de Notícias da Madeira em 2 de Julho de 2007.
Etiquetas: cno, e.escola, e.oportunidades, e.professor, literacia digital, nativos digitais, Novas Oportunidades, plano tecnológico, qren
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