O empreendedorismo está decididamente na ordem do dia, como se pode constatar pela leitura do QREN, o Quadro de Referência Estratégico Nacional para o período de 2007 a 2013. No entanto, em abono da verdade, este estatuto de primeira grandeza não é mais do que a consolidação de um “movimento empreendedorismo” que começou no último quadro comunitário de apoio e se traduziu na realização de uma miríade de projectos.
Agora, na altura em que vamos iniciar um novo ciclo de desenvolvimento económico é oportuno reflectir sobre os resultados desses projectos. Para começar temos de saber se o problema que queremos resolver é estrutural ou, pelo contrário, é meramente conjuntural. Só depois poderemos avaliar se os projectos realizados contribuíram para desenvolver o espírito empreendedor na sociedade portuguesa.
Antes de mais, importa esclarecer o que é o espírito empreendedor. De um modo sintético pode dizer-se que é a capacidade de identificar oportunidades e de reunir e combinar os recursos para criar valor para a sociedade. Por outras palavras, de transformar sonhos em riqueza. Mas, identificar oportunidades pressupõe curiosidade, autonomia, sonho. Reunir e combinar recursos pressupõe iniciativa, imaginação, auto-motivação, persistência. A estas características junta-se outra que traduz o ADN do espírito empreendedor, a coragem para assumir riscos e aceitar a possibilidade de fracasso.
Dito deste modo parece que estamos a falar de uma utopia, que estas pessoas não existem. No entanto, se nos lembrarmos da nossa infância rapidamente percebemos que estas características se encontram naturalmente nas crianças: a curiosidade para descobrir o mundo que as rodeia, a imaginação fértil, os sonhos “quando for grande quero ser…”, a auto-motivação para descobrir, a persistência até conseguir o que se quer e, obviamente, o prazer de arriscar e de ultrapassar os limites.
Se isto é verdade, porque razão estas características desaparecem ou adormecem com a passagem da infância para a idade adulta? Porque razão a sociedade transforma crianças que nascem com forte espírito empreendedor em pessoas que não gostam de empreender, de arriscar. Quais são os factores de bloqueio do espírito empreendedor?
Para muitos especialistas da educação o factor de bloqueio é o modelo de sistema educativo e é de natureza estrutural. Por exemplo, para Rubem Alves “as nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem”. Tal como nas fábricas onde predomina a linha de produção que funciona de forma automatizada, também nas escolas as crianças não têm espaço para a curiosidade, a autonomia, o sonho, com consequências nefastas na iniciativa, na motivação, na criatividade, no espírito empreendedor …
Então, que medidas devem ser tomadas para não bloquear ou adormecer o espírito empreendedor com que nascemos?
Se analisarmos o que foi feito no passado constatamos que os remédios foram essencialmente de natureza conjuntural. Contudo, como o problema é estrutural a solução passa por medidas estruturais. Em alguns países a solução passou por reestruturar o sistema de ensino com o objectivo de manter e desenvolver as características empreendedoras das crianças. Nesses novos modelos a escola passou a ser um espaço de aprendizagem em vez de um espaço de ensino onde os alunos se limitam a memorizar o que os professores transmitem.
Em síntese, se a escola não cumprir o seu papel de preservar o espírito empreendedor das crianças, o empreendedorismo não se resolverá com medidas de natureza conjuntural. Todos sabemos, que a melhor solução é a prevenção. Quando não preservamos, a reconstrução é sempre uma solução muito cara que nunca repõe o valor do original. De facto, mais vale prevenir que remediar.
“Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo.
Escolas que são asas existem para dar aos pássaros coragem para voar.
As escolas não podem ensinar o voo, porque o voo já nasce dentro dos pássaros.
O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.” Rubem Alves
Etiquetas: escolas fábricas, escolas gaiolas, espírito empreendedor, qren
Deixe uma Resposta