Há alguns anos ficou célebre o discurso de um ministro que, para demonstrar que o país estava em franco desenvolvimento, afirmou que tínhamos uma das mais elevadas taxas de telemóveis per capita da Europa.
Esta polémica afirmação foi muito contestada e objecto de chicana política pois a verdade estatística só permitia concluir que o nosso consumo de telemóveis era mais elevado do que na maioria dos países da Europa. Fazer extrapolações a partir deste indicador estatístico, tal como concluir que Portugal era um país muito desenvolvido e possuía uma forte indústria de telemóveis com I&D nacional, era puro engano.
Recentemente, ao ouvir as notícias que davam conta que Portugal tinha alcançado o pódio num estudo¹ sobre o governo electrónico na Europa ocorreu-me de imediato a história dos telemóveis. A este propósito, lembro que o estudo, realizado pela CapGemini para a Comissão Europeia, refere que Portugal passou da 10ª para a 3ª posição, na disponibilização de serviços online, e da 11ª para a 4ª no ranking que avalia a sofisticação dos serviços, logo atrás da Áustria, da ilha de Malta e da Eslovénia.
Mas, mais uma vez, parece-me que estamos a utilizar a verdade estatística para tirar ilações que os indicadores não podem fundamentar. Antes de mais, não posso deixar de referir que a subida no ranking merece um aplauso na medida que reflecte a evolução positiva verificada nos últimos anos.
Contudo, querer transmitir a ideia que Portugal é o 3º país mais desenvolvido da Europa no domínio do governo electrónico é puro engano. Para ser verdade, Portugal teria de possuir estatísticas que comprovassem que as soluções de governo electrónico foram desenvolvidas pela indústria de software e de I&D nacional. Enquanto isso não for provado a situação é similar à história dos telemóveis: a subida no ranking só comprova que Portugal é um grande consumidor de soluções de governo electrónico mas não permite concluir que a sua indústria de soluções de governo electrónico é das mais desenvolvidas da Europa.
Do mesmo modo, os indicadores do estudo não permitem concluir que Portugal é um dos líderes europeus em termos de utilização de serviços de governo electrónico, nem que melhorou a qualidade de vida dos portugueses. Basta lembrar os baixos níveis de literacia digital e de utilização da Internet pelos portugueses para perceber que o progresso conseguido no governo electrónico beneficia apenas uma minoria de portugueses.
Neste contexto é oportuno perguntar: com o nível tão elevado de serviços electrónicos referido no estudo (3º) e uma maioria da população sem acesso a esses serviços (65%)², será que não estamos a aumentar a exclusão digital dos portugueses?
Para mim, confirma-se a sabedoria popular: com a verdade me enganas.
¹ Estudo Anual sobre a Utilização de Serviços Públicos Electrónicos na Europa, CapGemini
² A Sociedade da Informação em Portugal 2006, UMIC e INE
Etiquetas: estudo capgemini, exclusão digital, governo electrónico, literacia digital, serviços electrónicos, serviços online
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