Há frases que, de tanto as ouvirmos, se tornam verdades universais. “Em equipa que ganha não se mexe” é uma delas.
Quem acompanha o mundo do desporto, em especial do futebol, conhece bem esta frase e, provavelmente, nunca parou para a questionar. Se os entendidos a dizem é porque é verdade. Se uma equipa ganha é porque é uma boa equipa e parece evidente que não há razões para mudar.
Pode parecer estranho mas ao ler o novo SIADAP, o sistema de avaliação de desempenho da Administração Pública, lembrei-me desta máxima do futebol. Talvez porque, depois de tanto se repetir que o SIADAP vai melhorar o desempenho e qualidade de serviço, haja quem acredite que se está perante outra verdade universal.
Acontece, porém, que não há nada de mais errado do que “em equipa que ganha não se mexe”. Não é preciso ser entendido em futebol para saber que, para cada desafio, a escolha do onze inicial depende mais da constituição da equipa adversária, da “boa forma” dos jogadores e dos objectivos definidos, do que das vitórias nos jogos anteriores. Hoje, qualquer equipa estuda muito bem as equipas adversárias pelo que é necessário inovar para as surpreender e vencer. A estratégia ganhadora passa por mexer, ou seja, por mudar as práticas que o adversário já conhece. O segredo está em mexer enquanto se está a ganhar e não quando se está a perder.
Se pensarmos em termos mais globais, de uma região ou de um país, constatamos que as estratégias de desenvolvimento também abandonaram os modelos conservadores do passado. As novas estratégias apostam na inovação e na criatividade, duas palavras com uma forte conotação empreendedora e revolucionária. Inovar é procurar soluções criativas, é estar sempre insatisfeito, é nunca pensar que uma vitória é para sempre. Em suma, inovar é mexer. Neste contexto, a verdade universal é: ”em equipa que ganha, mexe-se”.
Voltando ao novo SIADAP, será que este é coerente com esta expressão? Sim e não. Sim, porque o sistema passa a premiar os dirigentes intermédios e os trabalhadores com “desempenho excelente” em três anos consecutivos, conferindo-lhes o direito, alternativamente, a um período sabático, a um estágio em organismo da administração pública estrangeira ou em organização internacional, ou a um estágio em outro serviço público ou organização não-governamental.
Não, porque aparte estas pequenas operações de cosmética, na prática, não é possível mexer nas equipas da administração pública. Marc Rosemberg põe o dedo na ferida quando afirma que na implementação de políticas de aprendizagem a cultura vence sempre. O mesmo se passa com as políticas de avaliação da administração pública. Se a cultura rejeita a avaliação ela vencerá sempre qualquer política de avaliação de desempenho. Aliás, o caso português é paradigmático. Depois de três anos a implementar o SIADAP este só foi aplicado a cerca de 50% dos trabalhadores, o que confirma que a forte cultura de silos e de imobilismo venceu.
Reconhecendo a derrota, o governo avança agora com o novo SIADAP com a finalidade de alargar a avaliação de desempenho aos serviços e aos dirigentes superiores. Falta aguardar para ver se o SIADAP vai somar nova derrota ou se as medidas que prevêem a não renovação ou a cessação da comissão de serviço dos dirigentes com “desempenho inadequado”, ou responsáveis pela não avaliação de desempenho dos funcionários da unidades orgânicas que dirigem, vão conseguir o milagre desejado.
Será que é caso para dizer, finalmente, que na administração pública portuguesa “em equipa que perde, mexe-se”.
“Quando é necessário mudar? Antes que seja necessário”, Claus Muller
Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira em 4 de Janeiro de 2008
Etiquetas: avaliação desempenho dirigentes, avaliação serviços, equipa que ganha, novo siadap
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