A obsessão com os objectivos

Na administração pública Fevereiro é mês de SIADAP. Neste mês, os avaliadores realizam as entrevistas de avaliação de desempenho dos trabalhadores que dirigem ou chefiam. Entretanto, a preocupação dos trabalhadores centra-se nos componentes da avaliação de desempenho: os objectivos, as competências comportamentais e a atitude. Mas, o que mais preocupa os trabalhadores são os objectivos. Será que o meu chefe, o avaliador, concorda com a minha auto-avaliação e vou ter “Muito Bom” no ano de 2007?

No entanto, os objectivos constituem também um quebra-cabeças para os dirigentes e as chefias que têm de definir objectivos para “avaliar os contributos individuais para a concretização dos resultados previstos no plano de actividades”. A razão desta preocupação é simples. Os objectivos têm um peso de 60% na classificação final, o qual aumenta para 75% no caso dos dirigentes intermédios.

Contudo, numa altura em que tanto se investe na modernização da administração pública tendo como bandeira a Estratégia de Lisboa, onde o capital humano desempenha o papel principal, será que a “obsessão com os objectivos” é a solução?

Recorrendo à matriz de Alain Fréderic Fernandez¹ vejamos o que se passa com o desenvolvimento das competências de trabalhadores e dirigentes. A matriz identifica 4 etapas no percurso profissional de uma pessoa que exerce uma profissão ou uma função. As etapas são representadas pelas 4 áreas que resultam do cruzamento de 2 eixos: consciência/inconsciência e competência/incompetência.

Assim, no início do percurso profissional o trabalhador é um Aprendiz que “não sabe que não sabe”. Nesta 1ª etapa, da descoberta e da iniciação, o trabalhador não tem consciência da sua incompetência. Na 2ª etapa, é um Ajudante que “sabe que não sabe”. O trabalhador aprendeu as técnicas mas falta-lhe a experiência. Por outras palavras, o trabalhador tem consciência da sua incompetência.

Na 3ª etapa, é um Profissional que “sabe que sabe”. O trabalhador possui experiência e sabe contextualizar e transformar os conhecimentos em competências. Por fim, na 4ª etapa, é um Mestre que “não sabe que sabe”, ou seja, o trabalhador tem consciência da sua incompetência. Os Mestres são reconhecidos pelo seu conhecimento profundo e visão única. Mas, convém não esquecer que um Mestre numa determinada actividade é um Aprendiz noutras.

Na abordagem de Fernandez o percurso profissional de Aprendiz a Mestre é composto por três percursos: de Aprendiz a Ajudante, de Ajudante a Profissional e de Profissional a Mestre. Por exemplo, se pensarmos numa carreira da administração pública poderíamos ter: de Estagiário a Técnico Superior, de Técnico Superior a Técnico Superior Principal, de Técnico Superior Principal a Assessor. Como é evidente, os três percursos correspondem a diferentes níveis de desempenho pelo que é altura de voltar à pergunta sobre a obsessão com os objectivos.

No percurso de Aprendiz para Ajudante faz todo o sentido fazer uma avaliação por objectivos. Nessa fase inicial da carreira os objectivos são um critério adequado para medir a contribuição individual dos trabalhadores para os resultados previstos no plano de actividades. No entanto, no percurso de Ajudante para Profissional a avaliação por objectivos não é suficiente. De um Profissional espera-se um nível de desempenho mais complexo pelo que a avaliação do trabalhador deve ter, também, a obsessão com a capacidade de mudança permanente, o espírito empreendedor e a autonomia na missão.

Por maioria de razão, no percurso de Profissional para Mestre, a contribuição do trabalhador deve ser avaliada, também, pela sua capacidade de inovar com utilidade, de resolver situações imprevistas e complexas, de “coaching” e, em especial, de auto-aprendizagem.

Da análise da matriz de Fernandez, é fácil concluir que a formação é essencial no percurso de Aprendiz a Ajudante. Mas, se neste percurso inicial a aprendizagem formal é a norma, já nos outros dois percursos a norma deve ser a aprendizagem informal com os Profissionais e os Mestres a assumirem o papel de treinadores e mentores (coaching e mentoring) das suas equipas, segundo os princípios das organizações aprendentes.

Neste contexto, só com a adopção de estratégias de desenvolvimento do capital humano, que vão para além do SIADAP, será possível falar em modernização da administração pública. A manter-se a obsessão nos objectivos, a administração pública poderá ter milhares de trabalhadores com “Muito Bom” e “Excelente” mas não terá, seguramente, os Profissionais e os Mestres de que necessita.

“Quanto mais aumenta o nosso conhecimento, mais evidente fica a nossa ignorância”, John Kennedy

¹ Optimisez la fonction Formation, 2007

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2 Respostas to “A obsessão com os objectivos”

  1. strobs Says:

    Li a sua teoria até ao final, bastante extensa e interessante. E deixo a seguinte questão implementada pelo SIADAP, onde o que acontece às cotas implementas de só 20% tirarem Muito Bom.

    Por exemplo em estruturas da Área de Tecnologias de Informação, onde na realidade a estrutura desta área normalmente atinge altos graus de competência do conhecimento da estrutura empresarial transportada para o sector publico, o que acontece aos funcionários que atingiram largamente os objectivos e estão bloqueados por cotas e verificam que há colegas com as mesmas competências e são distinguidos de maneiras diferentes?

    Eu respondo, ou deixam de ter motivação, ou pedem licenças sem vencimento e procuram outra motivação no exterior.

  2. Vitorino Seixas Says:

    Sobre a questão das quotas, que suscita tanta discórdia e descontentamento, escrevi mais recentemente:
    https://blogdaformacao.wordpress.com/2009/08/05/siadap-as-quotas-no-centro-da-discordia/

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