O episódio da professora e da aluna da Escola Secundária Carolina Michaellis, no Porto, fez-me recordar o estudo efectuado por Tania Zagury para analisar as causas que levaram à degradação gradual e contínua da qualidade do sistema de educação do Brasil. Segundo esta investigadora, para os professores inquiridos, manter a disciplina na sala de aula é o principal problema do professor. As causas identificadas são variadas mas há duas que foram destacadas pelos professores: os alunos não têm limites (rebeldes, agressivos, que faltam ao respeito) e a falta de educação familiar.
Para o livro que publicou com os resultados do estudo, Zagury escolheu o sugestivo título “O Professor Refém”. Em primeiro lugar, o professor é refém da sociedade que, em menos de 3 décadas, deixou de valorizar o “ser” para valorizar o “ter”. Hoje, a sociedade desvaloriza o saber e a ética e, por conseguinte, o papel da escola e do professor. A actual sociedade do consumismo e do imediatismo valoriza, sobretudo, os bens materiais. O que importa é vencer na vida sem ter que “suar a camisola”. Na teoria afirma-se que a educação é a prioridade mas, na prática, há um endeusamento do que é fácil e dá prazer imediato. Estudar, tirar um curso superior, não é fácil nem imediato. Não é pois de estranhar que as novas gerações desvalorizem o saber e os sucessos académicos e se deixem seduzir pelos sonhos do enriquecimento fácil, da fama e do poder.
O professor é, também, refém das famílias que nos últimos anos passaram por um processo de desestruturação acentuado. Para os professores, os pais estão a “remar contra a maré” pois adoptaram uma postura muito liberal na educação dos filhos, a qual tem contribuído para acentuar o divórcio entre a família e a escola: “Esse liberalismo interfere na escola na medida em que os alunos passam a ter, quase sempre, todo o apoio da família, mesmo que isso resulte num confronto com as orientações e opiniões da escola.”
Os professores inquiridos referem, ainda, que “as interferências e desautorizações dos pais em relação às medidas que adoptam para manter a disciplina contribuíram decisivamente para a sua perda de autoridade na sala de aula”. Referem casos de pais que, quando chamados à escola, tomam o partido dos filhos, que são autores de actos de vandalismo e de ofensas e agressões, chegando mesmo a insultar e ameaçar os professores.
Outro aspecto relacionado com as famílias tem a ver com a responsabilidade pela aprendizagem. Antes, se um aluno não aprendia os pais consideravam os filhos como os principais culpados. Hoje, se um aluno não aprende a culpa é, em regra, atribuída ao professor e aos métodos ultrapassados. Subjacente a esta atitude está o mito “se o professor é bom qualquer aluno aprende”. Acontece que “para aprender é necessário que o aluno esteja motivado, que estude, faça os trabalhos e se esforce. Só aulas maravilhosas não bastam.”
O estudo de Tania Zagury conclui, ainda, que o professor é refém das políticas educativas, da sua formação e da sua consciência. De políticas educativas equivocadas, porque não há seriedade na maioria das medidas implementadas nem avaliação dos seus resultados apesar dos elevados custos. Da sua formação, porque os professores inquiridos referem que tanto a formação inicial como a contínua são deficitárias face aos desafios de uma escola integrada numa sociedade em profunda transformação social e tecnológica. Da sua consciência porque, apesar da vontade de ensinar, têm a noção clara de que em condições tão adversas será muito difícil conseguir alcançar os objectivos estabelecidos.
Contudo, o problema da educação é bem mais complexo. No campo de guerrilha em que se transformou a Educação, todos combatem na rua, na televisão e na própria escola, com o objectivo de tornar a outra parte refém. Será que os diferentes actores ainda não perceberam que são reféns uns dos outros? No fundo, é a educação que é refém.
Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira em 25 de Março de 2008.
Etiquetas: disciplina sala aula, professor refém, violência escola
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