“Atenção, desligar e guardar os telemóveis, iPods e outros aparelhos electrónicos durante as aulas”. Este aviso, afixado em 2006 nos corredores de uma escola americana traduz bem o sentimento da direcção da escola e dos seus professores. Os telemóveis são prejudiciais ao processo de ensino/aprendizagem e a sua utilização na sala de aula deve ser proibida.
Antes de analisar esta posição convém lembrar outras frases paradigmáticas que estão publicadas no blogue Fischbowl. No início do século XXI, em 2001, uma professora questionava “Porque razão quererei publicar na internet? Quem vai ler?”. Um ano antes, em 2000, um membro da Comissão para os Portáteis argumentava “Porque estamos a falar da necessidade dos estudantes terem um portátil no ensino secundário? Penso que a maioria dos pais nunca dará o seu computador velho aos filhos quanto mais comprar-lhes um portátil novo”. Contudo, em menos de uma década, com o lançamento de projectos como “Um Portátil por Criança”, de Nicholas Negroponte, até nos países pobres de África o portátil começa a ser uma realidade desde o ensino primário.
Anos antes, em 1996, um alto responsável regional de educação nos Estados Unidos afirmava, convicto, que “os professores nunca utilizarão o correio electrónico”. Na mesma linha, em 1995, um colega seu perguntava a um professor “Porque quer que os seus alunos utilizem a internet. Isso é apenas uma moda. Eles já foram à biblioteca?”. Continuando a recuar no tempo, em 1989, uma professora de matemática defendia que “não podemos deixá-los utilizar calculadoras no 2º ciclo. Se o fizermos, eles vão esquecer como se faz a divisão e a multiplicação com 3 dígitos. O que farão eles quando não tiverem calculadora?”
A meio do século XX, em 1950, uma associação de professores americana escrevia que “as esferográficas serão a ruína da educação no nosso país. Os estudantes utilizam-nas e deitam-nas fora. Os valores americanos de parcimónia e frugalidade estão a ser postos em causa. As empresas e os bancos nunca permitirão luxos tão caros”. Cerca de quatro décadas antes, em 1907, a associação nacional de professores escrevia que “os estudantes dependem demasiado da tinta. Eles nem sabem afiar um lápis. A caneta e a tinta nunca substituirão o lápis.”
Depois de lembrar estas frases, parece que mais nada nos pode surpreender mas, puro engano. Em 1815, uma associação de reitores afirmava, muito preocupada, que “os estudantes de hoje dependem demasiado do papel. Eles não sabem escrever no quadro sem ficarem cobertos de giz. Eles nem sabem limpar bem um quadro. O que farão quando se esgotar o papel?”
Depois desta viagem pela história das tecnologias na educação, não é de estranhar que se afirme que os estudantes de hoje dependem demasiado dos telemóveis. Mas, como se pode constatar, o fio condutor da resistência à mudança é sempre o mesmo, a tecnologia. Parece que o desafio da educação é a tecnologia. Na verdade, o desafio da educação são as pessoas e as mentalidades, como defende Ian Jukes. Mais, “o desafio da educação não é a eficiência, é a relevância”. Assim, a transição da escola analógica para a escola digital, passa por mudar o foco nos conteúdos e na tecnologia para colocar o foco no desenvolvimento do pensamento crítico, da capacidade de resolução de problemas e de tomada de decisão, competências-chave para o século XXI.
Pensando em termos nacionais, a situação não é diferente. A crença de que a tecnologia vai resolver os problemas da educação está bem patente no emblemático Plano Tecnológico da Educação e na Iniciativa eEscola que visa dotar os estudantes do 7º ao 12º ano de computadores portáteis. Mas, o paradoxo é evidente: por um lado, incentiva-se a aquisição de portáteis pelos estudantes. Por outro, proíbe-se a utilização dos telemóveis que a esmagadora maioria dos estudantes já possui, esquecendo que estes aparelhos com tudo em um (voz, dados, música, vídeo, televisão, wi.fi, mail, etc.) são também computadores portáteis com evidentes vantagens em termos de mobilidade. Mais, como os operadores de comunicações móveis subsidiam (ou oferecem) os telemóveis, estes ficam acessíveis a todos os estudantes com uma possibilidade de escolha mais alargada.
Voltando à questão central da educação, os estudantes, convém lembrar que se fala agora da dependência dos telemóveis como no passado se falou da dependência do papel, da caneta e das calculadoras, com a compreensível finalidade de manter a incrível estabilidade das escolas, ou seja, manter o paradigma educativo. Gary Hamel é elucidativo ao escrever que um paradigma dominante tem duas características: “primeira, é passado de geração em geração; segunda, os beneficiários habitualmente tomam posse dele sem questionar a sua proveniência ou a sua relevância em novos contextos”.
Contudo, esta realidade contrasta com a visão de um número crescente de educadores que defendem que a escola do futuro terá de integrar os telemóveis e outros aparelhos electrónicos portáteis na sala de aula. Não porque estas tecnologias são mais eficientes mas porque são relevantes na vida dos estudantes. Não se pode continuar a esquecer que os jovens não aceitam ser amputados das suas próteses para comunicar, partilhar, pesquisar, reflectir e resolver problemas. Em suma, das suas próteses para aprender ao longo da vida.
“São os telemóveis que vão acabar com a exclusão digital”, Jornal O Estado de S. Paulo
Link: Imigrantes Digitais
Etiquetas: plano tecnológico educação, telemovel escola, TIC ensino, tic escolas
18 Setembro, 2008 às 7:37 pm |
[…] seu Blog da Formação um post muito interessantes sobre uso de celulares nas escolas. Em seu texto Escolas Analógicas, ele faz uma viagem no tempo para mostrar o histórico do uso de tecnologias em sala de aula, […]