“Vem por aqui, dizem-me alguns com os olhos doces”. Este verso do Cântigo Negro de José Régio retrata bem o que se passa com as campanhas publicitárias do governo, do Programa Novas Oportunidades ao Plano Tecnológico passando pela obra-prima da tecnologia portuguesa, o Magalhães.
A publicidade parece estender-nos os braços dizendo-nos que tudo será bom e seguro se os ouvirmos quando nos dizem “vem para as Novas Oportunidades”. Mas, “eu olho-os com os olhos lassos” de quem duvida que, de repente, seja tão simples fixar como desígnio nacional qualificar um milhão de portugueses até 2010, quando a instabilidade do sistema de educação e formação assume níveis próximos da ruptura.
“Não, não vou por aí”. Se ao longo das últimas décadas o sistema não conseguiu elevar o padrão de baixa qualificação dos portugueses, será de seguir os passos de quem nos diz que o Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências implementado pelos Centros Novas oportunidades vai elevar a formação de base dos portugueses? Como o próprio nome diz, o processo permite reconhecer, validar e certificar competências que foram adquiridas pela experiência, no pressuposto de que o candidato beneficiou de experiências de trabalho verdadeiramente formadoras. Para os candidatos é, antes de mais, um modo rápido de obtenção de um diploma escolar e de concretizar o sonho de possuir o 9º ou o 12º ano. O que acontece não se traduz numa elevação da qualificação dos activos mas, apenas, na emissão de um certificado. Em síntese, trata-se de um processo de certificação e não de um processo de desenvolvimento de novas competências ou, por outras palavras, de um investimento para elevar a qualificação dos portugueses pois o acréscimo de competências originado pelo processo tende a ser residual.
Podem repetir à exaustão “vem por aqui” que “só vou por onde me levam meus próprios passos”. Será que a certificação administrativa de competências através do Sistema RVCC resolve as debilidades estruturais de qualificação dos portugueses? A elevação administrativa das baixas qualificações dos portugueses através de certificados “Novas Oportunidades” pode ser um caminho para o sucesso estatístico em termos de ranking europeu de qualificações mas, decididamente, nunca dotará Portugal de um perfil de competências adequado para competir no mercado global.
Em abono da verdade, é justo reconhecer que o Sistema RVCC possui virtualidades e poderia ser uma medida adequada à realidade nacional caso não se pedisse demais ao sistema. Sem uma estratégia de aprendizagem ao longo da vida, que integre o sistema RVCC, não se pode acreditar que as Novas Oportunidades são o remédio para atingir o objectivo de elevar a qualificação dos portugueses. Para tal, é necessário construir um sistema de formação ao longo da vida onde as Novas Oportunidades serão um instrumento entre outros para a certificação das competências que a modernização do mercado de trabalho exige, mas nunca o instrumento principal ou único. Nesse sentido, a solução para Portugal não passa somente por “vem por aqui, para as Novas Oportunidades”, repetido com olhos doces.
Portugal tem de dizer, definitivamente, “não vou por aí”. Deve “redemoinhar aos ventos” buscando novos caminhos como os navegadores que atravessaram o Cabo da Boa Esperança. Como no Cântigo Negro, Portugal tem de deixar os caminhos doces e “arrastar os pés sangrentos” na busca de um sistema de educação e formação que, de facto, prepare cada português para ser um cidadão activo e reflexivo, “um átomo a mais que se animou”.
Como José Régio, Portugal parece dizer “não sei por onde vou, não sei para onde vou”. Eu, simplesmente, sei que não vou por aí!
Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira de 28 de Outubro de 2008
Etiquetas: certificação competências, qualificação, rvcc
7 Novembro, 2008 às 12:59 am |
Caro Vitorino, sou um leitor atento e assíduo do seu blog. Interesso-me muito por estas temáticas, porque sou formador TIC em cursos EFA e também formador de recursos audiovisuais em cursos de formação de formadores.
Em relação ao artigo a que estou a responder, não podia concordar mais. A massificação deste modelo de formação tem vindo a desvirtuar aquilo que na essência até era/é uma boa ideia. Toda a gente já percebeu que o que está em causa e fundamentalmente uma questão estatística. É pena porque para alguns destes formandos a formação EFA e/ou RVCC são uma extraordinária oportunidade de mudar um pouco a sua vida…
Um abraço