Prever e errar, é só começar

A actual crise financeira mundial trouxe para o centro das preocupações a incerteza quanto ao futuro. De repente, parece que tudo está em causa. Um dia ouvimos a previsão de que o preço do petróleo vai ultrapassar os 200 dólares até ao final de 2008 e, poucos dias depois, ouvimos a previsão de que o preço do petróleo vai descer abaixo dos 50 dólares.

Perante aquilo que Karl Popper denomina a grave e incurável imprevisibilidade do mundo, o Presidente da Galp assume uma atitude defensiva dizendo “já não faço previsões sobre a evolução do preço do petróleo. Os analistas prevêem que vai continuar a descer. Vamos aguardar para ver”. Esta atitude é natural depois da forte contestação à subida do preço dos combustíveis, em especial à política de preços da Galp. É evidente que o Presidente da Galp aprendeu a lição: não é possível prever o futuro.

No entanto, há muita gente que ainda não aprendeu a lição pois continuamos a ser bombardeados com as mais disparatadas previsões. Um dia é a previsão optimista do crescimento do PIB mas no dia seguinte surgem várias previsões pessimistas. Um dia é a previsão optimista do desemprego para 2009 mas no dia seguinte surgem diversas previsões com taxas bem pessimistas. Um dia anuncia-se o Orçamento de crescimento para 2009 mas no dia seguinte toda a oposição contesta a falta de rigor das previsões do documento. Um dia inaugura-se um investimento de 120 milhões de euros na indústria mineira, com grande pompa e optimismo, mas 6 meses depois anuncia-se o encerramento da empresa.

Como explicar tal desnorte? Para Nassim Taleb, o autor do best-seller Cisne Negro, “as pessoas e os historiadores gostam de acreditar que a evolução se faz numa progressão previsível por pequenos incrementos, pois de uma forma geral, somos incapazes de aceitar o conceito de imprevisibilidade”. Por outras palavras “os humanos são excelentes no campo da auto-ilusão”.

Para tal, recorremos a sofisticados modelos e mapas intelectuais para fazer previsões. Para reforçar a auto-engano escolhemos modelos de iluminados gurus da gestão, de preferência de Harvard ou de outra prestigiada escola de gestão. O que nenhum destes aclamados académicos nos diz são as contra-indicações dos seus modelos pois, tal como acontece com os medicamentos, também podem ocorrer efeitos secundários imprevistos de extrema gravidade. A este propósito, não deixa de ser curioso que, das 500 maiores empresas dos Estados Unidos em 1957, apenas 74 existiam 40 anos depois. Provavelmente, a maioria delas utilizava os modelos das melhores escolas de gestão.

Neste contexto, será que podemos acreditar nas previsões do défice da segurança social só porque foram utilizados modelos de académicos, alguns premiados com o Nobel? Tendo presente os erros de previsão do passado, tudo indica que não. Para Taleb, no actual cenário de incerteza, prever e adivinhar é a mesma coisa, pelo que considera escandaloso que se continuem a fazer previsões com recurso a modelos de inferência defeituosos criados por académicos “bastante publicados”, os quais não contemplam a incerteza, ou seja, excluem os acontecimentos raros como o 11 de Setembro, o furacão Katrina ou o tsunami na Ásia. A explicação é simples: como temos necessidade de reduzir a complexidade dos problemas para os tentar compreender, preferimos a ilusão das projecções do défice da segurança social até 2020. Como por magia, nas previsões os riscos desaparecem. Na verdade, trata-se de auto-ilusão.

Mais, analisar o mundo através de modelos provoca cegueira em relação ao futuro. A análise com base em modelos provoca um “efeito de túnel” ao obrigar-nos a pensar dentro da caixa, de forma fechada, desprezando os acontecimentos improváveis. Foi o que aconteceu com as previsões das instituições financeiras que não tiveram em consideração as fontes de incerteza fora do âmbito dos modelos. Não é pois de estranhar que se tenha descoberto que muitos bancos estavam sentados sobre verdadeiras bombas-relógio, de tal modo estavam expostos a um conjunto incalculável de riscos.

Entretanto, com o recente colapso de algumas instituições financeiras tornou-se evidente que a “ecologia financeira assume a forma de bancos gigantescos, incestuosos e burocráticos – quando um cai, caiem todos”. Durante anos, os especialistas defenderam a concentração bancária e o funcionamento inter-relacionado dos bancos como solução para reduzir a probabilidade de ocorrência de crises financeiras mas, em contra-partida, não previram que, em caso de crise, esta assumiria uma dimensão global e uma gravidade nunca vista. Para termos uma ideia do impacto dos acontecimentos extremos basta dizer que, nos últimos 50 anos, metade dos retornos dos mercados financeiros foram conseguidos em 10 dias extremos.

Apesar destas evidências, tudo indica que os especialistas e os analistas vão continuar a fazer previsões sobre a evolução do emprego, do PIB e da crise financeira. Este autismo, segundo Taleb, “é uma cegueira mental”. O mundo linear, que se consegue prever, é uma ideia platónica. A história confirma que o mundo não avança de forma previsível mas sim aos saltos, de fractura em fractura, com alguma turbulência. Por maioria de razão, no mundo complexo em que vivemos, onde ocorrem muitos acontecimentos extremos e improváveis, ninguém está seguro. Ninguém consegue prever o que quer que seja. O futuro já não é o que era.

“Ninguém espera que um médico saiba se haverá uma epidemia de sarampo no próximo ano ou que um biólogo diga como evoluirá a tromba dos elefantes, mas muita gente espera que um economista saiba exactamente quando será a próxima crise da bolsa ou a próxima recessão”, Timothy Taylor

Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira, em 5 de Dezembro de 2008

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