Educar a Geração Precária

O fim do ano é uma época propícia à reflexão e à formulação de votos de ano novo próspero, em especial, àqueles que nos são mais queridos. Naturalmente, os pais que querem um futuro risonho para os seus filhos desejam que estes tenham uma escola melhor. Para os pais, a grande preocupação é: será que a educação está a preparar os nossos filhos para o século XXI?

Se tivermos em atenção o clima de forte contestação onde as manifestações, as marchas e as greves de professores se sucedem, provavelmente não. Aparentemente, foi o polémico modelo de avaliação que teve o condão de mobilizar os professores em defesa da sua suspensão. Como resultado, a avaliação está parada e os professores defendem que assim deve continuar. Na prática, a educação está refém da avaliação de professores. Melhor dizendo, a educação está parada, paralisada. Perante esta paralisia, é oportuno perguntar: a questão central da educação é a eficiência (avaliação de professores) ou é a relevância (competências-chave dos alunos para o futuro)?

Antes de mais, convém recordar que o mundo mudou e continua a mudar a uma velocidade vertiginosa. Actualmente, tudo está posto em causa. A incerteza é a única certeza. “A era da incerteza substitui a era dos direitos adquiridos” segundo Wim Noortman. Por outras palavras, Ian Iukes afirma que o mundo está a “mudar da estabilidade como norma para a mudança como constante”. No entanto, considera que a educação mantém uma extraordinária estabilidade e uma incrível resistência à mudança e que fora da educação o mundo é completamente diferente.

Neste contexto de incerteza há um factor omnipresente: a rapidez da mudança tecnológica. A Lei de Moore traduz bem os tempos exponenciais que vivemos: a cada 12 meses a tecnologia duplica a sua capacidade ao mesmo tempo que o preço se reduz a metade. Curiosamente, na educação não há a percepção desta rápida mudança tecnológica. No discurso, a educação quer obter melhores resultados mas, na prática, continua a agir do mesmo modo. A este propósito convém lembrar Einstein: “insanidade é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. Em síntese, ”é altura dos educadores pararem de investir no “status quo” e de desenvolverem uma nova visão para a educação” como defende Iukes.

Basta observar a turbulência originada pelas mudanças sísmicas ocorridas nos últimos anos, para perceber o forte impacto na educação. Preparar cidadãos para ganharem a vida num mercado de emprego onde a estabilidade é a norma, não é o mesmo que formar cidadãos para aprenderem ao longo da vida e terem “uma vida cheia de empregos” onde a norma é o trabalho precário e a mobilidade a cada 3 anos, em alternância com períodos de desemprego.

Quem tem filhos que investiram anos de estudo num curso superior conhece bem a fatalidade do emprego precário e do desemprego de licenciados, um sinal de diabolização da era da incerteza que já levou a que cerca de 20% dos licenciados tivessem de sair de Portugal e procurar trabalho noutras paragens. Os jovens parecem estar condenados a sair da zona de conforto da família e a aceitar um trabalho precário longe de casa sem quaisquer perspectivas de estabilidade. O mais preocupante é que a educação não está a preparar os jovens para viverem num mundo em permanente transformação onde a estabilidade é uma miragem.

Para enfrentar um mercado de trabalho tão adverso, Iukes defende que “os alunos precisam de desenvolver uma atitude de abertura para lidar com a mudança acelerada. Os professores devem instruir os alunos para pensarem, continuamente, fora da caixa. Devem ajudar os alunos a desenvolver capacidades de pensamento e intuição e encoraja-los a mudar as suas mentalidades com frequência”. É fundamental que os professores ensinem o valor do fracasso como ferramenta de aprendizagem, pois a tão desejada inovação e criatividade convivem de mãos dadas com a experimentação e o erro.

Por outro lado, Iukes defende que “devemos abandonar a ideia de que as escolas podem ensinar as coisas que os alunos precisam saber nas suas vidas. Devemos compreender que a aprendizagem é, hoje, um processo ao longo da vida. A aprendizagem não é, apenas, sobre “ganhar a vida” mas sobre “aprender e reaprender a viver”. É sobre aprender hoje, aprender amanhã, aprender sempre.”

Neste contexto, a mudança é essencial para construir e manter as escolas relevantes. Para isso, é preciso repensar tudo: as escolas, as salas de aula, os currículos e a gestão educacional. Na era da incerteza, a escola como linha de montagem onde os alunos passam de um especialista para outro quando o sino toca e que molda os jovens para o desempenho de funções estabilizadas perdeu toda a relevância. Para Alan November, é necessário transformar a sala de aulas num centro de comunicações global onde o papel do professor é construir independência em vez de dependência de modo a formar jovens auto-programáveis, ou seja, cidadãos que “aprendem, desaprendem e reaprendem ao longo da vida” como na visão de Alvin Tofler.

Mas, ironia das ironias. Aos pais e educadores cabe a ingrata missão de educar a “geração precária”. Para esta geração, não há emprego para a vida nem carreira em sentido ascendente. Há, apenas, mudança constante e turbulenta. Se perguntarmos aos pais se é isto que desejam para os seus filhos a resposta é óbvia: Não. Mas, o que acontece na realidade? Por um lado, os pais realizam Marchas para defender direitos adquiridos, com o forte poder negocial dos sindicatos. Por outro lado, aos seus filhos, sem qualquer poder negocial, só lhes resta a Marcha da Precariedade de Paulo Freire, “a marcha dos que querem ser e estão proibidos de ser”. É o resultado do paradigma da paralisia que atinge a educação e muitos outros sectores. Será este o Portugal “inclusivo e justo” que, como pais e educadores, queremos legar aos nossos filhos?

Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira de 2 de Janeiro de 2009

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