Nas duas últimas décadas o sonho de qualquer jovem gestor era tirar um MBA numa prestigiada escola de gestão, de preferência em Harvard. O objectivo era conseguir um emprego numa empresa multinacional e ter acesso a uma carreira internacional na expectativa de obter os altos rendimentos “prometidos” pelas escolas. Na verdade, era difícil resistir à tentação das escolas de gestão que faziam gala de divulgar na internet os altíssimos salários médios conseguidos pelos seus ex-alunos de MBA.
Entretanto, os tempos mudaram. A actual crise financeira veio revelar a outra face da moeda. Senão vejamos. As instituições financeiras que faliram recentemente tinham como consultores eminentes professores, alguns dos quais laureados com o Nobel, para além de muitos dos seus CEO possuírem um ou mais MBA. Na mesma linha, muitas das grandes empresas que fecharam as portas foram geridas por CEO que passaram por escolas de gestão de renome mundial. Em síntese, nunca as empresas tiveram tantos gestores com MBA e, no entanto, parece que tais gestores não conseguem encontrar o antídoto para resolver os problemas que as suas empresas enfrentam. Mais, parece que apenas conseguem acelerar a queda e a falência.
O mito da excelência de gestão daqueles que passaram por grandes escolas de gestão ruiu com esta crise. A elite de gestores utilizou práticas de gestão de alto risco que destruíram o valor das empresas colocando-as à beira da insolvência. Entre estas práticas estão as políticas de remunerações dos administradores e altos quadros, em especial a auto-atribuição de prémios “obscenos”, mesmo quando as empresas apresentavam os piores prejuízos de sempre.
Hoje, ao ouvir as notícias da crise financeira internacional e os comentários dos analistas sobre as suas causas fico com a sensação que se viveu uma era de “irracionalidade exuberante”, nomeadamente nas decisões e comportamentos dos CEO das instituições financeiras e das empresas. Parece que as grandes escolas formaram “gestores Dolly” que se encarregaram de espalhar os milagrosos modelos de gestão por todo o mundo. Por onde passaram agiram como clones utilizando os mesmos modelos e cometendo o mesmo tipo de erros que, na recente Cimeira do G20, o Presidente do Brasil condenou ao afirmar que “as pessoas estão a ser vítimas da irracionalidade dos últimos anos”.
Afinal, os modelos milagrosos mais não eram do que substâncias dopantes para fazer crescer rapidamente os resultados das instituições financeiras e das empresas de modo a vencerem a concorrência e atingirem o estrelato empresarial. A lógica é a mesma do desporto onde o doping falseia a “verdade desportiva”. Também nas empresas os modelos dopantes falsearam a “verdade empresarial”, em especial a financeira. O objectivo era o mesmo: passar à frente dos concorrentes. Muitas vezes tratava-se de valorizar as empresas para obter ganhos especulativos no mercado accionista. Basta analisar a irracionalidade dos últimos anos para encontrar como denominador comum uma ética de doping nas práticas de gestão das instituições financeiras e das empresas. Os exemplos sucedem-se. Quando um banco recorre a operações fantasma em paraísos fiscais para mascarar os seus lucros, é doping. Quando uma instituição financeira comercializa produtos financeiros de alto risco classificando-os como de baixo risco, é doping. Quando os gestores de uma empresa empolam os resultados anuais para obter prémios imorais é, mais uma vez, doping.
Em geral, parece que os modelos das escolas de gestão tiveram o mesmo efeito que a dopamina o que explica a irracionalidade dos gestores que, sob o efeito desses modelos, acreditaram observar padrões claros em números aleatórios. Muitos acreditaram que os modelos eram “a solução” e aderiram à “análise em túnel” esquecendo que a complexidade da gestão não se consegue gerir com modelos de 3, 4 ou 5 variáveis. Só essa “cegueira mental” pode explicar tamanha irracionalidade, a qual contaminou também o ensino superior de gestão como se de uma pandemia se tratasse.
Apesar de ser ainda cedo para fazer balanços, há duas falácias que foram desmascaradas com esta crise. A primeira, que é possível clonar o gestor perfeito nas provetas das grandes escolas de gestão. A segunda, que é possível clonar a empresa perfeita recorrendo a gestores Dolly e a modelos de gestão dopantes. Em abono da verdade, com as empresas perfeitas e os gestores perfeitos o que se conseguiu criar foi um mar de igualdade, provocando o fenómeno 10X/10X que se traduz num mercado com produtos 10 vezes melhores e 10 vezes menos diferentes. De facto, com gestores e empresas Dolly só por obra do acaso se pode ser melhor e diferente da concorrência.
Contudo, o traço mais grave da irracionalidade que se viveu e, provavelmente, ainda se vive, é a “ética doping” que as escolas de gestão parece terem introduzido no ADN dos gestores Dolly, dependentes da dose diária de dopamina para se promoverem em múltiplas entrevistas sobre os seus casos de sucesso, que mais tarde se revelam sem qualquer “verdade empresarial”, ou para publicarem livros autobiográficos a contar como conseguiram ser estrelas do mercado bolsista.
O Presidente da Republica colocou o dedo na ferida, no discurso do passado dia 17 de Abril, ao afirmar que “é urgente colocar no topo da agenda, ao lado da liberdade, a responsabilidade, a solidariedade e a coesão sociais, e compreender a importância que a verdade, a transparência e os princípios éticos têm no bom funcionamento de uma economia e no desenvolvimento de uma sociedade.” A grande questão é: com a dominante ética doping é possível recuperar a esperança no futuro? Para mim, vale a mensagem: apertem os cintos, vamos atravessar anos de turbulência.
“A própria formação dos gestores: não se dava nenhuma ética e as pessoas quase assumiam que não tinham princípios e estavam interessadas só em ganhar dinheiro”, Monsenhor Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira de 24 de Abril de 2009
Etiquetas: etica doping, gestores dolly, gestores proveta
27 Abril, 2009 às 1:36 am |
Algo tão evidende, mas ao mesmo tempo tão ideologicamente distorcido. Que estas percepções não fiquem só nas perceções. Oxalá!