Posts Tagged ‘sociedade rede’

Qual é o papel do Estado numa economia global

19 Janeiro, 2010

Os cidadãos têm direito universal à saúde, como pessoas, independentemente de sua situação trabalhista. A maior parte dos sistemas de segurança social no mundo ainda estão baseados no posto de trabalho. Isto cria uma carga de impostos sobre a empresa que é um dos principais factores que faz com que não se criem empregos estáveis e que se desenvolva a economia informal. Então, o debate que está proposto é como passar de uma cobertura centrada no trabalho a uma cobertura centrada nos direitos da pessoa.

Por ser uma pessoa, tenho direito à saúde, tenho direito à educação, tenho direito à segurança, uma série de direitos que o Estado deve cobrir. Deve cobrir como? Através, claro, de uma carga de impostos sobre a criação de riqueza no país. Esta é uma mudança fundamental no que era o estado de bem-estar. Mas sua pergunta vai muito além. Qual é o papel do Estado em um sistema global, informacional, como o que temos? Em primeiro lugar, o primeiro papel do Estado é um papel prévio. Ou seja, pode uma sociedade, um país, uma economia funcionar, ou não, neste novo sistema global? Porque se não pode funcionar é simplesmente como entrar sem electricidade na era industrial.

Assim, o primeiro aspecto é o esforço de um Estado para participar da globalização. E aqui está a contradição. Por um lado, participar da globalização exige um esforço de modernização da economia, mobilização da sociedade e mudança institucional, o que faz que o Estado, na realidade, esteja solapando, destruindo as bases de sua autonomia.

In “Entrevista a Manuel Castells, Programa Roda Viva

O Mapa do Poder nos negócios

23 Abril, 2009

“A relação é poder” é o lema de Mappa del Potere que publica diversos mapas de relações nos negócios, como é o caso da Pirelli.

mapapoder

A mentira do Conhecimento

23 Outubro, 2007

A palavra conhecimento entrou definitivamente no quotidiano dos portugueses. É raro o discurso em que não ouvimos enaltecer o seu efeito milagroso, qual lâmpada de Aladino. Parece que basta dizer três vezes “conhecimento” e formular um desejo tecnológico para que o milagre aconteça. Como por magia as pessoas passaram a ser o activo mais importante. O conhecimento é novo herói da produtividade.

Mas, será que não estamos perante um paradoxo? Tudo indica que sim. Basta lembrar que, à excepção de um número muito reduzido de empresas, a generalidade das organizações não conhece o valor do seu capital humano. Então, como se pode afirmar com tanta segurança que as pessoas são o capital mais importante?

Se pensarmos em termos de países a questão coloca-se do mesmo modo. Senão vejamos. Definiu-se o ambicioso objectivo que consta da Estratégia de Lisboa, enunciou-se à exaustão o efeito milagroso do conhecimento na construção da economia mais competitiva do mundo, mas não conhecemos o seu efeito na produtividade. Na realidade, o desafio é o mesmo que o Prémio Nobel Solow formulou no célebre Paradoxo da Produtividade: “vemos computadores em todo o lado menos nas estatísticas de produtividade”.

Por outras palavras, o moderno discurso do conhecimento parece não ter sustentação. Talvez por isso a Estratégia de Lisboa continue a não mobilizar os europeus para o desafio do conhecimento. Não deixa de ser estranho que, após o relançamento da Estratégia em 2005, tenha sido necessário fazer novo relançamento 2 anos depois. Em síntese, o sonho não consegue materializar-se.

Se pensarmos em termos nacionais talvez se torne claro o nosso problema. Por um lado, o discurso do Plano Tecnológico reconhece a importância do conhecimento ao afirmar que a qualificação dos portugueses é a prioridade nacional. Mas, na prática, a preocupação continuam a ser as grandes obras como a OTA e o TGV. No fundo, a acção evidencia que não se acredita que o conhecimento e o capital humano possam ser os factores de desenvolvimento do país. Sempre que se trata de desenvolvimento, as grandes decisões passam, invariavelmente, por mais investimento em projectos onde o capital humano tem um valor secundário.

Com esta prática não admira que a reflexão estratégica sobre o capital humano seja relegada para segundo plano e a discussão do orçamento de estado continue a centrar-se nas grandes obras, numa óptica de investimento, e nos encargos sociais, numa óptica de despesa. Sobre o valor actual e futuro do capital humano português nenhuma referência. Mas, enquanto for esta a realidade, não haja ilusões, nem Aladino consegue o milagre do conhecimento.

Para que a situação se inverta é necessário que na avaliação do país se inclua o valor do capital humano. Ainda esta semana a imprensa noticiou que o Real de Madrid lidera a economia do futebol tendo sido avaliado em mais de mil milhões de euros. No Manchester United, que ocupa a 4ª posição, é fácil perceber que o seu valor depende essencialmente do capital humano, ou seja de jogadores como Cristiano Ronaldo. Se este sair do clube, o Manchester perde de imediato uma parcela significativa do seu valor.

Pelo contrário, a saída recente do presidente do maior banco privado português mostrou que o valor do banco não foi afectado pela saída de um dos seus activos humanos mais estratégicos. Este caso espelha o que se passa diariamente no tecido empresarial e na administração e evidencia claramente que, ao contrário do que se apregoa, as pessoas não são o activo mais importante. Quantas empresas nacionais perderam valor devido à saída de capital humano estratégico? Não é pois de estranhar que, em Portugal, não haja a preocupação de identificar e recrutar talentos, nem de os desenvolver para gerar mais valor.

Contudo, se queremos participar na economia mais competitiva do mundo temos de passar das palavras aos actos. Na sociedade em rede, as preocupações principais da governação não podem continuar ser o défice orçamental e o PIB, mas sim a criação de conhecimento que suporte o novo modelo de crescimento económico e a coesão social do país. Só assim fará sentido falar de Economia do Conhecimento. Se não, é a mentira do conhecimento.

“O problema não é eles não enxergarem uma solução, é eles não enxergarem o problema.”
Charles F. Kettering

Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira, em 31 de Outubro de 2007

Sem pessoas não se fazem PRACEs

8 Maio, 2007

Muita burocracia, muita hierarquia e controlo excessivo é a radiografia que, em geral, se faz da administração pública portuguesa. A estas características junta-se outra, o excesso de pessoal, uma matéria muito polémica onde, ao contrário das anteriores, não existe consenso.

Com este pano de fundo, está em curso a reforma da administração pública. O PRACE começou com um estudo da situação nos diferentes ministérios ao qual se seguiu a aprovação das novas leis orgânicas que reduzem 25% dos cargos dirigentes e vão colocar milhares de trabalhadores no quadro de mobilidade especial.

A recente divulgação da intenção de colocar mais de três mil trabalhadores do Ministério da Agricultura em mobilidade especial já deu origem a um pedido de providência cautelar de um sindicato com o argumento de que, sem a devida fundamentação, todo o processo deverá ser anulado por violação dos direitos dos trabalhadores. Contudo, este tipo de movimentações não é de estranhar numa matéria de tanta sensibilidade, como é a segurança do emprego. No entanto, a procissão ainda vai no adro, pelo que o nível de conflitualidade deverá crescer à medida que novas decisões forem sendo anunciadas.

De facto, até agora, tudo o que se fez foi preparar a reforma. Agora, é que esta vai começar, com a turbulência que caracterizam os processos que mexem com o status quo das pessoas. Mas, se é consensual que o activo mais importante são as pessoas, então a verdadeira reforma da administração passa pelas pessoas e não pela estrutura da administração, apesar desta não ser irrelevante.

Sobre a importância das pessoas, Jim Collins, no livro De Bom para Excelente, reformula o princípio para “as pessoas certas são o activo mais importante”, e vai mais longe ao afirmar que, se isto é verdade, então numa organização primeiro deve escolher-se quem e depois o quê, e não como se está a fazer nesta reforma, primeiro o quê (orgânicas) e depois quem (pessoas).

Antes de mais importa esclarecer o que se entende por pessoas certas e como devem ser escolhidas, segundo Collins. O princípio fundamental é privilegiar o carácter e não as habilitações, os conhecimentos especializados e a experiência profissional. O importante é que sejam pessoas disciplinadas, com pensamento disciplinado e auto-motivadas.

Com este perfil, Collins defende que é possível reduzir a hierarquia, a burocracia e o controlo. Por outras palavras, com pessoas disciplinadas não é necessário hierarquia, com pensamento disciplinado não é necessário burocracia e com acção disciplinada não é necessário controlo excessivo. “As culturas burocráticas surgem para compensar a incompetência e a falta de disciplina que resultam do facto de se ter as pessoas erradas na organização.”

Ainda quanto às pessoas certas, não podemos esquecer o papel dos líderes. Mais uma vez, Collins surpreende ao defender que estes não precisam de ser carismáticos nem mediáticos. Basta somente que acreditem e façam acreditar. Que tenham ambição colectiva sem preocupações de fama pessoal, que queiram transformar com sucesso, que treinem a sua equipa preparando sucessores competentes, que eliminem a burocracia e os controlos excessivos e, em especial, que façam as perguntas certas aos membros da equipa, em vez de darem todas as respostas como se fossem os salvadores da pátria. Mas, convém sublinhar, não há líderes excelentes sem as pessoas certas.

Um último princípio de Collins. As organizações excelentes que identificou na investigação para escrever o livro, não definiram grandes visões e objectivos mobilizadores à partida, assim como não fizeram qualquer campanha de divulgação ou cerimónia de lançamento das reformas que levaram a cabo. Em todas, o caminho para a excelência foi um processo sereno e deliberado de descobrir o que era necessário fazer e ter uma acção disciplinada pautada por uma ética de trabalho empreendedor, com rigor, disciplina e exigência.

Provavelmente, muitos dirão que estes princípios não se adequam à administração pública. Por mim, creio que o sucesso da reforma da administração é fulcral para Portugal, pelo que é essencial integrar no debate novas abordagens e novas visões da administração.

Termino citando Manuel Castells, que considera que “o sector público é actualmente o actor decisivo para desenvolver e moldar a sociedade em rede… A moldagem e a condução desta sociedade está, como esteve sempre no caso das outras, nas mãos do sector público, apesar do discurso ideológico que pretende esconder esta realidade. Contudo, o sector público é a esfera da sociedade em que as novas tecnologias de comunicação estão menos difundidas e os obstáculos à inovação e ao funcionamento em rede são mais pronunciados. Assim, a reforma do sector público comanda tudo o resto, no processo de moldagem produtiva da sociedade em rede… De facto, o modelo burocrático racional do Estado da Era Industrial está em completa contradição com as exigências e os processos da sociedade em rede”.

“A habilidade de um líder está em levar as pessoas de onde elas estão para onde elas nunca estiveram.” Henry Kissinger

A Educação na Sociedade em Rede

13 Abril, 2007

Num Seminário promovido pela Presidência da República, em Março de 2005, Manuel Castells, o conhecido sociólogo espanhol autor de várias obras sobre a era da informação, fez uma interessante intervenção sobre “A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Acção Política”, onde alerta para o facto da política de educação ser um factor-chave para o sucesso da Europa na Sociedade do Conhecimento.

“Quando, no ano 2000, a União Europeia aprovou uma estratégia conhecida como a Agenda de Lisboa, para acompanhar os EUA em termos de competitividade económica, enquanto fortalecia o modelo social europeu, a ênfase foi colocada principalmente na actualização tecnológica e no melhoramento das capacidades de pesquisa. A infra-estrutura tecnológica europeia melhorou consideravelmente, mas os efeitos na produtividade, na formação, na criatividade e na iniciativa empresarial, foram muito limitados.

Na base de todo o processo de mudança social está um novo tipo de trabalhador, o trabalhador autoprogramado, e um novo tipo de personalidade, fundada em valores, uma personalidade flexível capaz de se adaptar às mudanças nos modelos culturais, ao longo do ciclo de vida, porque tem capacidade de dobrar sem se partir, de se manter autónoma mas envolvida com a sociedade que a rodeia. Este inovador ser humano produtivo, em plena crise do patriarcalismo e da família tradicional, requer uma reconversão total do sistema educativo, em todos os seus níveis e domínios. Isto refere-se, certamente, a novas formas de tecnologia e pedagogia, mas também aos conteúdos e organização do processo de aprendizagem.

Tão difícil como parece, as sociedades que não forem capazes de lidar com estes aspectos irão enfrentar maiores problemas sociais e económicos, no actual processo de mudança estrutural. Por exemplo, uma das grandes razões para o sucesso do Modelo Finlandês na sociedade em rede reside na qualidade do seu sistema educativo, em contraste com outras zonas do mundo. Outro exemplo são os EUA, onde uma grande parte da população está alheada do sistema de gestão do conhecimento, largamente gerado no seu próprio país.

A política educacional é central em todos os aspectos. Mas não é qualquer tipo de educação ou qualquer tipo de política: educação baseada no modelo de aprender a aprender, ao longo da vida, e preparada para estimular a criatividade e a inovação de forma a – e com o objectivo de – aplicar esta capacidade de aprendizagem a todos os domínios da vida social e profissional.”

Reforma da Formação – Uma Proposta para a Sociedade do Conhecimento? (1)

8 Fevereiro, 2007

Formação profissional
Sem visão, é o que se pode dizer da Proposta de Reforma da Formação Profissional, que o governo apresentou aos parceiros sociais no passado mês de Outubro. Sem visão, porque a proposta se limita a fazer uma leitura superficial da situação em Portugal, para concluir que possuímos baixos níveis de qualificação escolar e profissional, o que é um facto já bem conhecido de todos os portugueses.

Dessa leitura, conclui que Portugal enfrenta dois grandes desafios. O primeiro, de natureza quantitativa, que se traduz na necessidade urgente de assegurar um significativo aumento dos indivíduos com acesso a formação nas várias fases da vida. O segundo, de natureza qualitativa, que se traduz na necessidade de assegurar a relevância e a qualidade do investimento em formação. Por outras palavras, um desafio de maior produtividade e de maior eficiência ou, simplesmente, fazer mais e melhor. Mas dizer isto, é o mesmo que dizer muito, porque se aplica a tudo, e é não dizer nada, porque não esclarece nem aponta caminhos.

E a falta de visão confirma-se quando a Proposta define como linhas estratégicas para a qualificação dos recursos humanos “a elevação rápida dos níveis de qualificação dos portugueses com uma estratégia dual: elevar as taxas de conclusão do nível secundário nos jovens e recuperar os níveis de qualificação da população adulta”. Mais uma vez nada se acrescenta, pois foi para elevar os níveis de qualificação dos portugueses que Portugal beneficiou dos apoios à formação profissional durante 3 Quadros Comunitários, ou seja, nos últimos 16 anos?

De facto, após ler a Proposta de Reforma, a sensação com que se fica é que o mundo mudou e exige novas soluções mas, no domínio da formação, continuam a utilizar-se as velhas soluções. A Proposta não introduz qualquer Reforma na Formação, antes acrescenta mais uma camada de medidas, de duvidosa eficácia, a um sistema ineficiente e pouco transparente para os portugueses e as empresas. Em poucas palavras, a percepção do “esgotamento do modelo de formação português” é correcta, mas a prescrição está errada.

Senão vejamos. Nos últimos 30 anos, Portugal sofreu uma profunda transformação. Mudou a estrutura da população activa, a estrutura do emprego, o mercado de trabalho. Do emprego em grandes unidades de produção estáveis nas décadas de 70 e 80 passamos, em 2006, para o emprego em PME e PE de menor estabilidade. Na próxima década, o trabalho terá ciclos de vida mais longos (aumento da idade da reforma), maior diversidade de actividades, e exigirá maior adaptabilidade dos portugueses a ambientes de trabalho em rede, com maior autonomia e maior inovação. A mobilidade, que antes ocorria entre os três sectores de actividade, mas com segurança de emprego, começa a dar lugar a uma mobilidade a que se associa a precaridade e novas formas de emprego, principalmente no início da vida activa.

Hoje, há problemas novos como a inserção profissional dos jovens licenciados que assume dimensões preocupantes. A lógica da “alternância selvagem” é a marca do mercado de trabalho em resultado das medidas paliativas para resolver o problema da inserção profissional dos jovens. As medidas em curso não são pertinentes pois não se trata de um problema de formação, mas sim de práticas de recrutamento e de organização do trabalho que não permitem que os jovens prossigam a aquisição nas empresas das competências necessárias à sua adequada integração profissional. (1)

Há também necessidades novas no tocante à adaptabilidade dos portugueses. Com a entrada na sociedade do conhecimento o conteúdo do trabalho está em rápida mutação, pelo que os portugueses terão de possuir características de adaptabilidade interna e externa essenciais para a criação de valor. Deixa de fazer sentido falar de formação inicial e formação contínua. São abordagens do passado. Portugal precisa de uma verdadeira política de aprendizagem ao longo da vida para preparar os portugueses para os desafios da economia do conhecimento.

Nesse sentido, o país aposta no Plano Tecnológico e na Estratégia de Lisboa, dando sinais de uma clara mudança de paradigma de desenvolvimento. No entanto, a Proposta de Reforma da Formação é totalmente omissa no contributo para resolver os novos problemas e suprir as novas necessidades, assim como na definição dos princípios do futuro sistema de aprendizagem ao longo da vida, limitando-se a falar unicamente de formação profissional.

Uma reforma com visão passa por definir a arquitectura do sistema de aprendizagem ao longo da vida, com preocupações de eficácia económica e de coesão social, promover a aprendizagem ao longo da vida e definir o papel da formação na recomposição das relações de trabalho e de emprego.

(1) Adaptabilidade dos Trabalhadores e das Empresas, Dinamia – Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica, Estudo para o Observatório do QCA III / DGDR, Setembro 2005.

Publicado no Diário de Notícias da Madeira em 29 de Janeiro de 2007.