Geração à rasca

Muito se tem escrito sobre a “geração mil euros”, a geração constituída pelos jovens licenciados que possuem pós-graduações e mestrados, que falam duas ou mais línguas, que realizaram estágios e que só conseguem obter empregos precários com remunerações inferiores a 1000 euros.

Este fenómeno, que foi baptizado pelos franceses e se propagou rapidamente a outros países europeus como a Espanha, a Itália e a Alemanha, chegou também a Portugal, apenas com a diferença nas remunerações que são inferiores. O denominador comum, em todos os países, é a dificuldade dos jovens licenciados conquistarem o seu lugar na sociedade e construírem a sua vida de forma autónoma.

Esta realidade, que ensombra o futuro dos jovens portugueses, contrasta vivamente com a situação vivida pela minha geração. Na minha juventude, o diploma funcionava como uma garantia de emprego e a generalidade dos jovens licenciados conseguia obter um emprego bem remunerado.

Sem qualquer conotação política pode dizer-se que há uma fronteira entre as duas gerações: o 25 de Abril de 1974. Há uma Geração 74, que nasceu antes dessa data, e uma Geração 75, que nasceu depois e que começou a entrar no mercado de trabalho nesta última década, após a conclusão da licenciatura.

Muitos analistas já escreveram sobre esta mudança geracional. Uma das análises mais polémicas foi o editorial “Geração Rasca”, de Vicente Jorge Silva, publicado em 1994 no Público, por altura das manifestações estudantis contra as políticas educativas, em especial contra o aumento das propinas pelas universidades.

No editorial, Vicente Jorge Silva olhava para os jovens com desconfiança. Para ele, um representante da geração revolucionária, a Geração 75 não tinha convicções, valores, princípios e sonhos para lutar. Em síntese, o seu editorial reflectia a visão de alguém, que tinha lutado por causas e feito uma revolução, que considerava que a nova geração era constituída por jovens irresponsáveis, indisciplinados e individualistas.

Passadas três décadas, o que mudou? Hoje, a Geração 74 está confortável, conquistou o seu lugar ao sol, tem segurança de emprego e está em vias de se reformar ou já se reformou aos 55 anos. Por outro lado, a Geração 75, que cresceu com a sida e a droga, não sabe como conquistar o seu lugar ao sol. O futuro está nublado com o espectro do desemprego e do trabalho precário. É uma geração que parece condenada ao estatuto de eternos adolescentes que têm de viver em casa dos pais.

Neste contexto, em que os revolucionários de 74 não estão dispostos a ceder o seu lugar ao sol aos jovens, o aumento da idade da reforma traz dificuldades acrescidas. Se é verdade que a Geração 74 fez a revolução de Abril tendo lutado pela liberdade, pela abolição da censura e pelo fim da guerra colonial, também é verdade que deixa uma herança pesada. A Geração 75 tem pela frente uma tarefa hercúlea: além de enfrentar um futuro instável e adverso, com o anunciado fim do emprego, das regalias sociais e das reformas, ainda tem de pagar o défice público, emagrecer o aparelho do estado, evitar a falência da segurança social e garantir a sustentabilidade ambiental de Portugal.

Não é pois de estranhar que os jovens retribuam o epíteto “Geração rasca” àqueles que, por acção ou omissão, lhes deixaram tão pesada herança. Eles são, de facto, uma “Geração à rasca”.

“Pai -Na tua idade, já tinha um ideal!

Filho: E, então, vendeste-o a quem?”, Le Nouvel Observateur

Publicado na edição online do Diário de Notícias da Madeira em 10 de Dezembro de 2007.

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3 Respostas to “Geração à rasca”

  1. xicabala Says:

    Após a revolução dos cravos, o referido ano 1975, ocorreu uma profunda alienação… Eu acredito que foi sem dúvida esse o principal motivo do contexto nacional “enrrascado” que se vive. Quero dizer com isto que, após a vítória do povo nessa batalha muito provavelmente não houve uma reflexão profunda sobre as questões mais pertinentes, muito por via da emoção subjacente a esta etapa histórica e que levou muitos anos a arrefecer… Como se tudo fosse côr-de-rosa e belo! Ainda ouço as palavras do meu pai na minha cabeça: “Aquilo é que foram tempos para relembrar!”.
    Todavia, não posso deixar de afirmar que, apesar dessa falta de planeamento e enquadramento, os sucessivos governos não se preocuparam com as gerações vindouras e foram, em muito semelhantes, ao(s) governo(s) pós-revolução.
    Em suma, penso que tudo o que aoncteceu e ainda acontece é muito devido à falta de visão profunda do povo português. vive-se muito a romaria do dia-a-dia e prepara-se pouco a imprevisível crespação do futuro!

  2. mondiurnit Says:

    Escreve”No editorial, Vicente Jorge Silva olhava para os jovens com desconfiança. Para ele, um representante da geração revolucionária, a Geração 75 não tinha convicções, valores, princípios e sonhos para lutar. Em síntese, o seu editorial reflectia a visão de alguém, que tinha lutado por causas e feito uma revolução, que considerava que a nova geração era constituída por jovens irresponsáveis, indisciplinados e individualistas.”

    Isto parece-me algo simplista, redutor.Há que ver o que despoletou aquele artigo.Terá sido, por um lado, o tipo de comportamentos tidos durante determinada manif;por outro lado isto já era o corolário de outros “sinais”( a mero título de exemplo, talvez tenha sido por esta altura que muitos se indignaram pelo “sacrilégio” ocorrido na “douta” Coimbra e que foi o facto de Al Berto ter sido corrido – pelos estudantes – de um evento em que não seria suposto – pelo contrário – tal acontecer).
    xicabala Dizia em 18 Dezembro, 2007 às 6:06 pm “tudo o que aconteceu e ainda acontece é muito devido à falta de visão profunda do povo português. vive-se muito a romaria do dia-a-dia e prepara-se pouco a imprevisível crispação do futuro!”
    Friso -“vive-se muito a romaria do dia-a-dia”.Pois, por esses anos, preconcebidamente, ainda terá havido uma Queima das Fitas coimbrã em que As Doce, por demasiado ousadas, seriam também apupadas, corridas…Mas, além de ousadas, elas tê-lo-ão é sido…demasiado cedo.Porque, depois e ao longo de todos estes anos de “depressão estudantil”, esta vem sendo regada, “celebrada” com muita” romaria do dia-a-dia”, muito Quim Barreiros nas Queimas…e mais “cus” ( como o mostrado cú da manif que faria “transbordar o copo” em forma do artigo de Vicente Jorge Silva).
    Claro que quando digo que seu artigo será simplista, redutor, a sê-lo, sê-lo-á só em termos de lhe faltar algum enquadramento. O que “ dá cor” àquele artigo é quando ele se mostra como o espelho de muita coisa que estava a acontecer….para que se possa não referir essa muita coisa ao referir …o artigo.
    Mesmo o aspecto de “vingança” com “Geração à rasca” tem muito que se lhe diga( outro artigo?)

  3. aburmester Says:

    A geração que hoje terá entre os setenta e sessenta nasceu em plena II Grande Guerra, teve de crescer com as senhas de racionamento, poucos alcançaram a 4ª classe, foi convocada para uma guerra colonial, e hoje vive de reformas mínimas e à rasca. Na geração dos cinquenta, poucos fizeram o 7º Ano, alguns também levaram com a Guerra Colonial e o serviço militar obrigatório, passaram pelo 25 de Abril com os anos de crise que se seguiram e que incluíram o FMI, muitos estão hoje sem trabalho e sem reforma com os filhos em casa e vêem-se à rasca. Na geração dos quarenta, poucos não completaram o 12ª ano, mas tiveram trabalho e tiveram o usufruto dos direitos conquistados pelas gerações anteriores, lixaram-se para a Política, não votaram, nada conquistaram e enfrentam hoje à rasca as dificuldades. Esta nova geração nasceu com mimo e se formou com as facilidades de um ensino que os levou ao colo, se começam a trabalhar pouco ganham e com pouco se desmotivam. Se não arranjam trabalho levam com a Tv cabo, o futebol e a Playstation, mas sem trabalho e sem motivação também ficam à rasca. Conclusão: estamos todos à rasca.

    É bom de ver que finalmente estas últimas gerações tiveram uma atitude política, saíram à rua silenciosamente e vieram manifestar a sua discordância com o actual estado das coisas. Deve-se exigir mudanças de atitude e de organização do Estado, mas de nada vale reclamar deste governo ou de outro qualquer, como “Direitos” e “Obrigações”, porque pouco ou nada sobra para distribuir e os que existem tendem a diminuir. A única coisa que vale é mudar e esta mudança não será só nossa, terá de ser global. É o sistema que está falido e não só economicamente mas principalmente de conceito. Não há mais ideologias, não há direitas e esquerdas, não há liberais ou tecnocratas e não há crenças. O pior mesmo é que o conceito também está falido. Estas últimas gerações não tem uma visão conceptual nem política nem social.

    A velha Europa já não sabe o que fazer e tem de mudar. Penso que o que vem por aí nos próximos tempos será uma espécie de Idade Média. Vivam as Catedrais.

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