Muita burocracia, muita hierarquia e controlo excessivo é a radiografia que, em geral, se faz da administração pública portuguesa. A estas características junta-se outra, o excesso de pessoal, uma matéria muito polémica onde, ao contrário das anteriores, não existe consenso.
Com este pano de fundo, está em curso a reforma da administração pública. O PRACE começou com um estudo da situação nos diferentes ministérios ao qual se seguiu a aprovação das novas leis orgânicas que reduzem 25% dos cargos dirigentes e vão colocar milhares de trabalhadores no quadro de mobilidade especial.
A recente divulgação da intenção de colocar mais de três mil trabalhadores do Ministério da Agricultura em mobilidade especial já deu origem a um pedido de providência cautelar de um sindicato com o argumento de que, sem a devida fundamentação, todo o processo deverá ser anulado por violação dos direitos dos trabalhadores. Contudo, este tipo de movimentações não é de estranhar numa matéria de tanta sensibilidade, como é a segurança do emprego. No entanto, a procissão ainda vai no adro, pelo que o nível de conflitualidade deverá crescer à medida que novas decisões forem sendo anunciadas.
De facto, até agora, tudo o que se fez foi preparar a reforma. Agora, é que esta vai começar, com a turbulência que caracterizam os processos que mexem com o status quo das pessoas. Mas, se é consensual que o activo mais importante são as pessoas, então a verdadeira reforma da administração passa pelas pessoas e não pela estrutura da administração, apesar desta não ser irrelevante.
Sobre a importância das pessoas, Jim Collins, no livro De Bom para Excelente, reformula o princípio para “as pessoas certas são o activo mais importante”, e vai mais longe ao afirmar que, se isto é verdade, então numa organização primeiro deve escolher-se quem e depois o quê, e não como se está a fazer nesta reforma, primeiro o quê (orgânicas) e depois quem (pessoas).
Antes de mais importa esclarecer o que se entende por pessoas certas e como devem ser escolhidas, segundo Collins. O princípio fundamental é privilegiar o carácter e não as habilitações, os conhecimentos especializados e a experiência profissional. O importante é que sejam pessoas disciplinadas, com pensamento disciplinado e auto-motivadas.
Com este perfil, Collins defende que é possível reduzir a hierarquia, a burocracia e o controlo. Por outras palavras, com pessoas disciplinadas não é necessário hierarquia, com pensamento disciplinado não é necessário burocracia e com acção disciplinada não é necessário controlo excessivo. “As culturas burocráticas surgem para compensar a incompetência e a falta de disciplina que resultam do facto de se ter as pessoas erradas na organização.”
Ainda quanto às pessoas certas, não podemos esquecer o papel dos líderes. Mais uma vez, Collins surpreende ao defender que estes não precisam de ser carismáticos nem mediáticos. Basta somente que acreditem e façam acreditar. Que tenham ambição colectiva sem preocupações de fama pessoal, que queiram transformar com sucesso, que treinem a sua equipa preparando sucessores competentes, que eliminem a burocracia e os controlos excessivos e, em especial, que façam as perguntas certas aos membros da equipa, em vez de darem todas as respostas como se fossem os salvadores da pátria. Mas, convém sublinhar, não há líderes excelentes sem as pessoas certas.
Um último princípio de Collins. As organizações excelentes que identificou na investigação para escrever o livro, não definiram grandes visões e objectivos mobilizadores à partida, assim como não fizeram qualquer campanha de divulgação ou cerimónia de lançamento das reformas que levaram a cabo. Em todas, o caminho para a excelência foi um processo sereno e deliberado de descobrir o que era necessário fazer e ter uma acção disciplinada pautada por uma ética de trabalho empreendedor, com rigor, disciplina e exigência.
Provavelmente, muitos dirão que estes princípios não se adequam à administração pública. Por mim, creio que o sucesso da reforma da administração é fulcral para Portugal, pelo que é essencial integrar no debate novas abordagens e novas visões da administração.
Termino citando Manuel Castells, que considera que “o sector público é actualmente o actor decisivo para desenvolver e moldar a sociedade em rede… A moldagem e a condução desta sociedade está, como esteve sempre no caso das outras, nas mãos do sector público, apesar do discurso ideológico que pretende esconder esta realidade. Contudo, o sector público é a esfera da sociedade em que as novas tecnologias de comunicação estão menos difundidas e os obstáculos à inovação e ao funcionamento em rede são mais pronunciados. Assim, a reforma do sector público comanda tudo o resto, no processo de moldagem produtiva da sociedade em rede… De facto, o modelo burocrático racional do Estado da Era Industrial está em completa contradição com as exigências e os processos da sociedade em rede”.
“A habilidade de um líder está em levar as pessoas de onde elas estão para onde elas nunca estiveram.” Henry Kissinger
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