A Loja dos 300

Ao ver o espectáculo de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, lembrei-me do documentário “2 Millions Minutes”, realizado por Robert Compton, sobre o modo como os estudantes dos Estados Unidos, da Índia e da China gastam o seu tempo durante o ensino secundário.

Para quem tinha dúvidas sobre o potencial da China, o espectáculo foi uma extraordinária lição com mais de três horas. O exótico, a arte e o extraordinário estiveram sempre presentes. Enquanto via a televisão perguntava-me se, depois dos Jogos, as pessoas continuariam a associar a China às “Lojas dos 300” e à mão-de-obra de baixo custo. Enfim, a um país rural do terceiro mundo onde a maioria da população não tem qualificações nem qualidade de vida.

Para aqueles que ainda têm dúvidas, convém referir alguns dados do documentário, cujo nome resulta do facto do ensino secundário nos Estados Unidos (high school) ter a duração de 4 anos, o que perfaz cerca de 2 milhões de minutos.

Nesse período escolar, o documentário refere que os estudantes chineses dedicam muito mais tempo aos estudos do que os estudantes americanos. Enquanto estes ocupam uma parte substancial com o desporto e desperdiçam parte do tempo, os chineses fazem uma gestão rigorosa do seu tempo. Por outro lado, decresce o número de estudantes americanos que escolhem as áreas das ciências, da matemática e da engenharia ao contrário do que acontece na China. Como resultado, a China produz hoje 8 vezes mais cientistas e engenheiros do que os Estados Unidos, o que está a atrair um crescente número de multinacionais tecnológicas. Esta diferença é ainda mais acentuada quando se constata que 60% dos estudantes que concluem o PHD em engenharia nos Estados Unidos são provenientes de países terceiros, e que muitos deles são chineses que voltam ao seu país.

Sem subterfúgios, o documentário coloca em causa um dogma dos americanos: Os Estados Unidos possuem o melhor sistema de ensino. Compton afirma claramente que tal já não é verdade. Os níveis de sucesso académico dos estudantes americanos estão em declínio há mais de 20 anos, como refere o relatório “A Nation at Risk” (Uma Nação em Risco), sem que os Estados Unidos tenham conseguido inverter a situação. Talvez, se o desempenho dos americanos nos Jogos Olímpicos for tão fraco como é o desempenho académico, provavelmente, haja uma mobilização nacional para resolver a crise do sistema de ensino.

Segundo Compton, o que surpreende é o contraste de valores entre os estudantes americanos e chineses. Enquanto o trabalho ético e a dedicação aos estudos são a bandeira dos estudantes chineses, entre os americanos o desporto assume o papel principal pois a cultura americana valoriza cada vez menos o sucesso académico. Pelo contrário, para as famílias chinesas a prioridade é o sucesso académico e intelectual com o desporto a cumprir o papel secundário de exercício físico e de construção de espírito de equipa. A diferença cultural é gritante. Na China, os pais com filhos no ensino secundário investem em explicadores para acelerar a aprendizagem dos filhos, não para remediar o insucesso nas disciplinas escolares. Os pais chineses não se importam de não ir a um desafio de futebol dos filhos, mas não querem perder as elocuções, os debates sobre ciências e matemática e os torneios de xadrez na escola.

A comparação dos curricula dos estudos (K-12) e das provas de exame dos dois países também é elucidativa, com a China a apresentar níveis de exigência bastante superiores. Acresce que, enquanto os Estados Unidos têm 53 milhões de estudantes (K-12) a China tem 200 milhões e possui 4 vezes mais crianças sobredotadas. Quanto ao ensino superior, em 2006, 1,3 milhões de estudantes concluíram a licenciatura nos Estados Unidos contra 3,3 milhões na China.

Para terminar, um factor decisivo para o sucesso dos negócios num contexto de globalização: a língua. Nos Estados Unidos a língua estrangeira mais falada é o espanhol. Em 2016, a China será o país do mundo com mais pessoas a falar inglês. No entanto, um inquérito aos CEO das grandes empresas revelou que estes consideram que o inglês não será uma língua importante no século XXI, mas sim o mandarim, o hindu, o farsi e o árabe. Por outras palavras, a China estará melhor preparada para agir global.

Definitivamente, o paradigma está a mudar. Apesar de haver ainda muito caminho a percorrer, a China emerge como uma potência com capacidade competitiva para derrotar os Estados Unidos nos Jogos Olímpicos e, também, no desenvolvimento tecnológico e científico. Não será pois de estranhar que, após a maioridade tecnológica patenteada nos Jogos, a “Loja dos 300” passe a vender automóveis e produtos de alta tecnologia “made in China” com a mesma competitividade com que vende actualmente os artigos “inovação zero”.

“Não temos nada a aprender com sistemas de educação de países do terceiro mundo (China)”, Professor da Universidade de Harvard numa entrevista com Robert Compton

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